quinta-feira, 21 de abril de 2016

Folha de S. Paulo: contraeditorial (21/04/2016)

Lamentável o editorial de hoje da Folha de São Paulo, "Golpe na ONU".

Há algum tempo o conselho editorial do diário paulista vem adotando uma linha ameaçadora à Dilma em seus editoriais: "se não fizer isso", "se não fizer aquilo".  Em linha com a contraofensiva lançada por Michel Temer para evitar danos à sua imagem junto à comunidade internacional, que discuti aqui, o artigo dá mais um ultimato à Dilma:

"Se não voltar atrás em mais uma atitude mal concebida na solidão do Planalto, a presidente Dilma Rousseff (PT) embarcará para Nova York com uma péssima ideia na bagagem: denunciar na ONU o suposto golpe de Estado representado pelo processo de impeachment"

Colocada na complicada situação de justificar o injustificável, a Folha classifica como "esdrúxula" a convicção de que a imprensa internacional estaria alinhada à ideia de golpe, alegando que "há de tudo entre os comentários publicados sobre o impedimento." É uma meia verdade.  Se é correta a alegação de que muitos veículos da imprensa internacional não chama o processo de "golpe" per se, é inescapável a percepção de que descrevem o impeachment pelo que é: um processo antidemocrático, no qual uma presidente sem acusações de crime é julgada por um circo comandado por um bandido, aliado a um vice-presidente conspirador que visa levar ao poder um grupamento político incapaz, há quatro eleições, de derrotar o petismo nas urnas.  Essa percepção, aliás, é o que justifica a preocupação de Temer e sua turma de conspiradores. Ademais, boa parte do que saiu publicado na imprensa internacional como artigos de opinião é redigido por brasileiros, muitas vezes, membros da mídia corporativa nacional.

Para a Folha, por outro lado, "não há reparos a fazer ao processo de impeachment, até aqui, do ponto de vista institucional".  Trata-se de colher o resultado argumentativo de uma verdade que a própria imprensa brasileira tentou plantar: a de que o processo é legítimo porque a figura do impeachment está na constituição.  Há alguns meses convivemos com uma enxurrada de textos e entrevistas que buscam dar suporte a esse argumento.  A pergunta, feita à exaustão era: "impeachment é inconstitucional?".  Tratei do assunto aqui.

Outro argumento compatível com a narrativa criada pela mídia nacional é a declaração do ministro Celso de Mello de que "é um grande equívoco reduzir-se o procedimento constitucional de impeachment à figura do golpe de Estado.". É sempre conveniente encontrar um posicionamento do STF que não seja de Gilmar Mendes.

Ainda na questão da legalidade, a Folha dá o veredito:

"Pode-se questionar, como fez esta Folha, se as chamadas pedaladas fiscais constituem motivo suficiente para o impeachment. Não se pode negar, entretanto, que a prática figura entre os crimes de responsabilidade descritos em lei, nem que os deputados detêm autorização constitucional para emitir juízo sobre o assunto. "

Reproduzo a perplexa resposta de Marco Aurélio Mello a Augusto Nunes, no Roda Viva: "Ora, pra que processo então?".  Não cabe à imprensa determinar o que é ou não é crime.  O mérito do processo ainda não foi julgado e, pessoalmente acredito que seja muito difícil, caso o STF decida julgar o mérito da questão, que se considere que as "pedaladas fiscais" constituem crime de responsabilidade.  Deixando isso de lado, trata-se de absoluta dissimulação do jornal afirmar que "a prática figura entre os crimes de responsabilidade descritos em lei", uma vez que a interpretação jamais foi neste sentido.  Quanto a autorização constitucional para emitir juízo, sim eles a tem.  Mas emitir juízo sobre o assunto foi a única coisa que não fizeram no domingo passado.

Vencida a argumentação legal, resta ao jornal apenas duas atitudes: desqualificar as posições das autoridades que se declararam contra o golpe, como "as manifestações impensadas dos secretários-gerais da OEA, Luis Almagro, e da Unasul, Ernesto Samper" e o apelo à imagem do Brasil.  Denunciar o golpe, "mesmo se estivesse certa, ainda seria um ato irresponsável", pois "toca a quem a ocupa zelar por seu bom conceito aqui e alhures, e não solapá-lo", equivale, como argumentei ontem, a dizer: "olha, mesmo que a gente tenha feito merda, não saia por aí contando porque pega mal".  Vou repetir sumariamente, porque já me referi a isso, mas o que pega mal mesmo, na comunidade internacional é o baixo nível do nosso congresso, uma conspiração armada por um vice-presidente, um corrupto comandando um processo que, pra dizer o mínimo, é antidemocrático.  Atacar a democracia pega mal.

No final do editorial a Folha parece estar tentando bater algum tipo de recorde de dissimulação.  Primeiro por adiantar que "espernear não vai resolver nada", porque eles já sabem o que vai acontecer: "decerto tomarão como insólita (se não oportunista) a tática de instrumentalizar uma reunião sobre mudança do clima para fazer propaganda dirigida ao público brasileiro e, pior, em causa própria, não no interesse nacional". Mas por último, e mais grave: a Folha apela a FHC e a Lula:

"Com o mau passo, Dilma Rousseff apenas abalará mais um pouco, em seu desleixo diplomático, a imagem do Brasil como democracia funcional e estável, reconstruída a duras penas por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT)."

É de lascar, né? Resumo da ópera: desde que a Folha decidiu escrever exclusivamente para o público conservador, passou a se comportar de forma vil.  Apela não para o bom senso, mas para a burrice do leitor.  Neste editorial dá uma lição do que o jornalismo não deve fazer: desinforma, pratica o proselitismo, ameaça e vaticina. Ameaçar e declarar que aqueles que se sentem injustiçados não devem procurar apoio onde julgam poder encontrar bom senso não pode ser descrito em outros termos que não terrorismo jornalístico.


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