quarta-feira, 1 de abril de 2015

Redução da maioridade penal: o brilhante armamento retórico conservador

Em mais um capítulo do processo da ascensão do conservadorismo e "absurdização" da discussão política nacional, a CCJ da Câmara dos Deputados resolveu há pouco, por 43 votos contra 21, que a proposta da PEC que reduz a maioridade penal no país para 16 anos não é inconstitucional.

Apesar de se tratar de uma proposta ridícula, a discussão é legítima...como é legítimo discutir se cavalos devem usar fraldas no país.  Mas os argumentos apresentados pelos que defendem a proposta, divulgados pelos grandes órgãos da mídia nacional são, até agora, uma coleção de não-argumentos.

Um dos artigos mais lamentáveis que vi até o momento foi essa matéria da UOL. Um verdadeiro show de má-argumentação:

1) A mudança do artigo 228 da Constituição de 1988 não seria inconstitucional. O artigo 60 da Constituição, no seu inciso 4º, estabelece que as PECs não podem extinguir direitos e garantias individuais. Defensores da PEC 171 afirmam que ela não acaba com direitos, apenas impõe novas regras;

2) A impunidade gera mais violência. Os jovens "de hoje" têm consciência de que não podem ser presos e punidos como adultos. Por isso continuam a cometer crimes;

Sim, é como se a possibilidade de ir pras "Fundações Casa" da vida fosse algum tipo de incentivo. E como se os "jovens de hoje" com menos de 16 anos não pudessem seguir a mesma lógica. E como se jogar mais gente no escola do crime sistema prisional brasileiro fosse gerar cidadãos melhores ao fim de suas penas.

3) A redução da maioridade penal iria proteger os jovens do aliciamento feito pelo crime organizado, que tem recrutado menores de 18 anos para atividades, sobretudo, relacionadas ao tráfico de drogas;

Claro...porque os bandidos que aliciam jovens de 16 e 17 anos têm muito escrúpulo e jamais irão pensar em compensar a perda destes com crianças de 12 a 15 anos de idade. A entrada no mundo do crime através deste tipo de prática será adiantada em dois anos.

4) O Brasil precisa alinhar a sua legislação à de países desenvolvidos com os Estados Unidos, onde, na maioria dos Estados, adolescentes acima de 12 anos de idade podem ser submetidos a processos judiciais da mesma forma que adultos;

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"O Brasil precisa alinhar a sua legislação à dos EUA"

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Que tipo de argumento é esse? Nenhum dos países "desenvolvidos como os Estados Unidos" apresentam taxas de criminalidade e homicídios tão altas quanto às daquele país, nem uma população carcerária tão grande.  Ainda em relação aos EUA, vale a pena lembrar a correlação positiva entre pena de morte e número de homicídios: estados que aplicam a pena capital apresentam taxas maiores de homicídio.  Porque não argumentar que Brasil e EUA precisam alinhar suas legislações àquelas de países desenvolvidos como Suécia, Noruega, França...ou de Espanha e Alemanha, que voltaram atrás na redução da maioridade penal, após verificar que, como em TODOS OS PAÍSES QUE SEGUIRAM O MESMO CAMINHO NÃO HOUVE DIMINUIÇÃO DA CRIMINALIDADE.

5) A maioria da população brasileira é a favor da redução da maioridade penal. Em 2013, pesquisa realizada pelo instituto CNT/MDA indicou que 92,7% dos brasileiros são a favor da medida. No mesmo ano, pesquisa do instituto Datafolha indicou que 93% dos paulistanos são a favor da redução.

A maioria da população brasileira jamais foi exposta a um debate profundo sobre este tema, que não tem nada de trivial. O advento do Direito é consequência da evolução, através dos milênios - das Ciências e da Filosofia...resultado de muto debate realizado por gente que gastou muito neurônio pra pensar no assunto. A reação imediata de qualquer vítima de crime pode ser o sentimento de vingança...mas se pudéssemos agir sobre este desejo toda vez que acontece algo, a civilização teria uma cara muito diferente - e menos civilizada. Há uma razão prática para termos abandonado as Lei de Talião ("Olho por olho, dente por dente"). A ideia é simples e atraente, especialmente por parte de quem não pensou muito sobre o tema (a imensa maioria desses 93%).

Tomar uma decisão desse porte em função do que a maioria pensa é equivalente a decidir como deve ser feita a distribuição dos recursos da pesquisa científica entre as áreas do conhecimento baseada na opinião do público da Sapucaí; ou decidir o cardápio das merendas escolares baseando-se na preferência das crianças.

Crime é uma doença social. Nenhuma medida punitiva, como já verificado nos países que reduziram a maioridade penal, irá fazer com que caiam as taxas de criminalidade, por um motivo simples: o crime é produto de uma determinada dinâmica social.

Enfim, os agitadores da direita já armaram seus seguidores com argumentos menos risíveis.


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