domingo, 8 de abril de 2018

Mascuplicando o mansplaining

Um dos conceitos mais interessantes que surgiram na última década, do ponto de vista de artilharia retórica, é o de "mansplaining". É um produto do feminismo moderno importantíssimo, porque extrapola as fronteiras do sexismo clássico (opressão homem sobre mulher), informando a qualquer ser humano a sensação de estar oprimindo ou a de ser oprimido, no plano retórico.

Mansplaining é uma definição recente para um problema antigo, e eu sinto que deveria ser mais difundido por estas bandas, ou pela adoção do termo original, ou através da criação de um neologismo similar. Sugiro "mascuplicação" - se não for acatado, dou de presente pra medicina - talvez sirva pra descrever um procedimento cirúrgico muito específico para homens que ninguém sabe direito o que é:

- Amanhã serei submetido a uma mascuplicação...
- Pra quê?
- Não é da sua conta.

Também serviriam "homexplicação" ou, se quisermos o estrangeirismo, "mansplicação".

Como eu sei que a maioria dos brasileiros ainda (isso vai pegar) não sabe o que mansplaining significa, vou mascuplicar aqui (vamos fazer pegar!). Mansplaining consiste em explicar alguma coisa pra alguém assumindo, num tom condescendente, que o interlocutor sabe muito menos que você sem que existam motivos para tanto. Normalmente ocorre no sentido homens ➨ mulheres, embora possa ocorrer entre mulheres, de mulheres para homens ou entre homens - eu tenho várias histórias de gente mascuplicando coisas pra mim (uuuhh....).

Acusar alguém de mansplaining geralmente é um golpe forte de retórica: expõe a postura arrogante do mascuplicador, a obviedade do objeto, e a ignorância daquele em não percebê-la - trata-se, portanto, de uma arma muito útil no arsenal retórico. Agora: como dizia o poeta, "com grande poder vem uma grande responsabilidade" (Parker, Ben - 2002). É muito fácil acusar alguém falsamente de mascuplicação.

Neste artigo recente a jornalista Giuliana Vallone (secretária-assistente de redação do jornal) explica bem o conceito de mansplaining, e logo depois ilustra-o incorretamente com a sessão do STF que negou o Habeas Corpus pleiteado pela defesa de Lula. A autora acusa os ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski de mascuplicar para a ministra os efeitos da decisão dela.

Eu assisti a sessão inteira. Confesso que nos exemplos citados, eu não vi a condescendência que a jornalista da Folha enxergou. Para a autora, depois de diversos exemplos claros de mansplaining, o pior momento foi a acusação de Marco Aurélio de que o voto de Rosa Weber não estava claro. Reproduzo aqui o trecho destacado na reportagem:



“Rosa, Vossa Excelência me permite um aparte?”, disse Marco Aurélio. “Pois não, ministro Marco Aurélio, com muito gosto”, respondeu Rosa, com expressão de quem já sabe o que vem pela frente.

“Se a apreciação dos pedidos formulados nas [ações] declaratórias de constitucionalidade fosse hoje, haveria maioria para deferir a liminar, ante a evolução do ministro Gilmar Mendes”, afirmou ele.

Antes de conseguir respondê-lo adequadamente, a ministra também precisou se explicar a Lewandowski, que irritado, defendeu que considerando a posição de Rosa, “a corte não pode evoluir jamais”.

Cármen Lúcia, presidente do STF, saiu em defesa da colega. “Ministro, a ministra Rosa Weber justificou muito bem, exatamente dentro da opinião dela, então acho que há de se respeitar.” Foi, entretanto, também interrompida por Lewandowski, que argumentou que, no colegiado do Supremo, a troca de ideias é cabível.

“Com muito prazer. Mas tem um detalhe: eu estabeleci premissas teóricas”, disse Rosa, antes de ser interrompida novamente (a essa altura, pela terceira vez).

E então, veio a cereja do bolo. “No início, eu confesso que não sabia a natureza de seu voto. E eu tenho alguma experiência no colegiado”, afirmou Marco Aurélio.

“Quem me acompanha nesses 42 anos de magistratura não poderia ter a menor dúvida com relação ao meu voto, porque eu tenho critérios e procuro manter a coerência das minhas decisões”, respondeu a ministra, que, ao retomar seu voto, já nem conseguia mais lembrar onde havia parado.



A afirmação final de Marco Aurélio "E eu tenho alguma experiência no colegiado" é de fato arrogante. Mas o resto da discussão me parece estar dentro dos parâmetros normais. Como eu tenho alguma experiência em assistir esses caras em sessões desde muito antes de virar modinha (problema meu), a coisa toda me parece natural para a escrota vaidade do Marco Aurélio, descrita em detalhes nesses dois artigos da piauí parte 1 e parte 2 (recomendo).

De resto, a ministra se saiu muito bem. Há inúmeros relatos na mídia de pessoas que não conseguiam adivinhar em que direção o voto de Rosa Weber caminhava, mas esse é um outro problema: os ministros são prolixos, vaidosos e GOSTAM de tirar os coelhos de suas cartolas no finalzinho, postura besta, do ponto de vista da objetividade. Já o debate duro, a crítica irritada e pesada do Lewandowski, tudo isso é perfeitamente normal na dinâmica do STF.

O que nos faz pensar, todavia, é a segunda parte da matéria, que também transcrevo aqui:




"Mas Cármen e Rosa, duas das únicas três mulheres a ocuparem uma cadeira no Supremo em toda a história da corte (Ellen Gracie, aposentada em 2011, foi ministra por 11 anos) já são pós-graduadas em 'mansplaining'.



No ano passado, a presidente do STF interrompeu uma sessão para falar sobre o desequilíbrio nas relações de gênero no tribunal. Ela citou estudo feito por Tonja Jacobi e Dylan Scheweers, dois pesquisadores da Escola de Direito da Northwestern University, nos EUA. 


Eles analisaram transcrições de sustentações orais na Suprema Corte americana ao longo de anos e concluíram que integrantes do sexo masculino interrompem mulheres três vezes mais do que homens. 

O levantamento mostra que, apesar de as ministras falarem menos e usarem menos palavras do que os ministros, são interrompidas durante a fase de sustentação oral de forma significativamente maior. 

Em 2015, quando havia três mulheres entre os magistrados da corte suprema dos EUA, 65% das interrupções foram dirigidas a elas. 

Diante dos dados, Cármen concluiu: 'E a ministra Sotomayor [da Suprema Corte americana] me perguntou: como é lá [no Brasil]? Lá, em geral, eu e a ministra Rosa, não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas'."



Tá aqui o vídeo:



Perfeito o pito público da Carmen Lúcia, especialmente porque essas coisas são gravadas e ficam para a posteridade. Todavia, o que resta demonstrado tanto na análise da jornalista quanto no exemplo da sessão de ontem, não é o conceito de mansplaining, mas uma outra modalidade de machismo parecida, que também afirma superioridade intelectual através do exercício constante de interrupções no sentido homens ➨ mulheres, o que sugere, no mínimo, falta de respeito. Isso também tem nome moderno específico: "manterrupting" (man + interrupting), termo muito menos utilizado. O que me deixa com uma pulga atrás da orelha é a possibilidade de que  a acusação de mansplaining neste caso sirva para angariar as simpatias dos movimentos identitários no sentido de uma defesa do voto de Rosa Weber. Não sei se a autora forçou a barra porque queria apresentar o conceito, se é erro mesmo, ou se há um objetivo oculto no artigo.

Enfim, de qualquer forma queria aproveitar a oportunidade de promover o conceito de mansplaining. e introduzir, no vocabulário nacional, um termo pra chamar de nosso.

Mascuplicação!



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