Na semana que passou o ministério da justiça determinou que é ilegal que casas noturnas cobrem preços diferenciados entre mulheres e homens. Foi noticiado sem muito alarde na Folha, sem discussão, sem "o outro lado". O argumento do secretário nacional do consumidor é o seguinte:
"A utilização da mulher como estratégia de marketing é ilegal, vai contra os princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Os valores têm de ser iguais para todos nas relações de consumo".
Me pareceu razoável. Sem pensar muito no assunto, a única coisa que me chamou atenção foi o fato de descobrir isso não na reportagem, mas através de um editorial, publicado no dia posterior ao da infame votação que manteve Temer no poder (sobre a qual o jornal não se posicionou em editorial, nem mesmo no dia anterior).
A Folha comemora (literalmente, é editorial!) uma liminar que garante aos donos de boate o direito de continuar com a prática, usando o argumento de que proibir isso seria uma interferência no livre mercado:
"Os organizadores utilizam descontos por gênero para balancear a composição do público, tornando os eventos mais atraentes para frequentadores e mais rentáveis para empresários. A autonomia favorece todas as partes".
Antes de chegar a essa conclusão, o jornal constrói um discurso que apela para os piores medos de quem tem mais de quarenta anos e acompanhou as peripécias da moeda brasileira ao longo dos anos 80: sabem quando o Estado brasileiro agiu assim? - pergunta o jornal - quando lançaram o plano cruzado!!!
Juro que eu fiquei meio chocado com a escolha do tema do fricote da Folha, mas como nós temos mais com o que nos preocupar no Brasil, não dei muita bola. Até que hoje, edição de domingo, aparece essa coluna do Hélio Schwartsman, atacando a mesma ação, utilizando uma outra construção lógica formidável: composição de preço é informação. Uma alta no preço do tomate, por exemplo, é uma informação do produtor ao consumidor que diz ter havido algum problema na lavoura ou diz ao produtor que todo mundo tá a fim de comer tomate. Interferir na composição de preços é uma forma de censura. Dá pra acreditar num argumento desses?
Diz o Hélio:
"Empresários usam o valor do ingresso para informar o público qual é o tipo de gente que falta no evento e, com isso, atrair as pessoas certas, tornando a festa mais prazerosa para os frequentadores e rentável para os organizadores. Todos ganham. "
Impressão minha esse parágrafo é exatamente uma versão daquele que eu destaquei no editorial? Será que esse editorial é do Schwartsman?
Vou retomar a justificativa do secretário do consumidor:
O preço diferenciado seria uma maneira degradante de tratar as mulheres, pois ao utilizar descontos como forma de atrair o público feminino para uma balada, os empresários as tratam como um recurso a ser oferecido ao público masculino. Onde está o erro nisso?
A Folha faz uma defesa prévia não solicitada no editorial:
"Não se trata de defesa irrestrita dos dogmas liberais. Os manuais de economia estão repletos de exemplos em que os mecanismos de mercado falham, e a regulação estatal se faz necessária."
Pergunto, juro que não sei as respostas, pois fui pouquíssimas vezes na vida em boates:
- Alguém já viu boate cobrando mais caro de mulher?
- Sabendo que há mais mulheres que homens na população, haveria nas casas noturnas um déficit de mulheres caso fossem cobrados preços iguais?
- No cenário real, de preços diferentes, há equilíbrio no número de homens e mulheres?
- Se não há problema algum em cobrar mais ou menos de determinados grupos, a mesma justificativa não poderia ser utilizada para cobrar mais ou menos de negros, gays ou gordos, buscando criar uma "composição ideal pra que todo mundo se dê bem"?
- Estariam Hélio Schwartsman e a Folha "desinformado o público"?
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