Seguindo a dica do senador Antônio Imbassahy (PSDB-BA), passei a guardar alguns alimentos de consumo fácil em saquinhos plásticos, muito mais práticos:
Noam Chomsky falando sobre a situação do Brasil. Simples, conciso, direto:
"É uma espécie de 'golpe branco'. A elite detestava o Partido dos Trabalhadores e está usando esta oportunidade para se livrar do partido que ganhou as eleições. Não vão esperar pelas eleições, que provavelmente voltariam a perder, mas querem se livrar dele (PT), explorando uma recessão econômica, que é grave, e a maciça corrupção que foi exposta. Mas como até mesmo o New York Times apontou, Dilma Rousseff talvez seja a única liderança política que não roubou para se beneficiar. Ela está sendo acusada de manipulações no orçamento que são comuns em muitos países, tirando de um bolso e colocando em outro, o que talvez seja um malfeito de algum tipo, mas que certamente não justifica um impeachment. Temos a única líder que não roubou para enriquecer sendo impedida por uma gangue de ladrões que o fizeram. Isso de fato conta como um 'golpe soft'."
O texto a seguir não é exatamente sobre essa fala de Chomsky, mas sobre o discurso de uma ala de intelectuais na esquerda do nosso espectro político, incapazes de propor qualquer coisa que passe um da pura demonstração de erudição a serviço de porra nenhuma.
Lembro aqui que eu posso estar equivocado sobre as minhas conclusões. Tenho uma formação de origem naturalista, tendo migrado, posteriormente, para o terreno movediço das humanidades, portanto, meio diferente da maioria dos acadêmicos de formação puramente humanística. Sou um determinista. Pois bem, penso que "golpe soft" ou "golpe branco", utilizados por Chomsky, são os termos que melhor descrevem o movimento político que está em curso no Brasil.
Parte da esquerda tem rebolado junto com a direita, embora de forma mais elegante e prolixa, para explicar que o que acontece aqui não é um golpe.
Idelber Avelar compartilhou há pouco um texto de Marcus Fabiano Gonçalves, professor de direito na UFF, no qual o último explica que golpes de Estado, na definição de muitos autores clássicos, requerem uma tomada violenta do poder, ou, minimamente repentina. Aviso, o texto é bastante extenso, demanda muita disposição.
Para o autor, o fato de que Dilma vem se enterrando lenta e longamente numa situação política insustentável faz do termo "golpe" muito mais uma questão de retórica política, o que desqualificaria o fenômeno da definição clássica de golpe de Estado:
"A palavra 'golpe' nos chega pelo latim vulgar colpus, anteriormente grafada colaphus, 'bofetada, soco, murro', originando-se, por sua vez, do grego kálaphos (κάλαφος), 'tapa na cara, pancada na face'.
Ou seja: a partir da analogia que se procura nesse gesto, compreende-se
o 'golpe' como uma medida enérgica e repentina desferida contra
certa ordem estabelecida. E ninguém precisa ser um grande cientista
político para constatar que Dilma Rousseff não sofreu nenhum solapamento
súbito. Muito antes pelo contrário: a sua sustentação popular e
parlamentar veio paulatinamente erodindo-se até o limite da
ingovernabilidade desde as manifestações de junho de 2013, coisa
perceptível em estrondosas vaias (como as da Copa do Mundo), sonoros
panelaços e múltiplas defecções de sua base aliada, outrora fidelizada à
custa do Mensalão que produziu as condenações da Ação Penal 470 no
Supremo Tribunal Federal."
Para usar a expressão de Sokal & Bricmont, "fashionable nonsense". O texto começa bem, o autor demonstra seus traços de erudição através de um vocabulário rico - que se mantém até o final do texto, ao contrário da qualidade da argumentação.
Gene Sharp e Noam Chomsky, explicam essa modalidade relativamente moderna do golpe, o chamado "golpe branco", no qual os agentes golpistas se utilizam do aparato legal e formalidades jurídicas para atingir o poder. O caso paraguaio é citado no texto justamente para expor as diferenças do que aconteceu por lá com a nossa versão da coisa:
"Corretamente chamado de 'golpe relâmpago', tal episódio não pode, em hipótese alguma, ser posto em paralelo ou suscitado como algum precedente razoável para a situação brasileira do afastamento constitucional de Dilma Rousseff, mesmo porque ele tampouco envolve um caso gravíssimo de corrupção como o que atinge o partido e os auxiliares mais diretos da Presidente do Brasil. Não bastasse isso, as diversas e longas oportunidades de defesa aproveitadas pelas representações de Dilma Rousseff chegaram ao limite do constrangimento e da ruptura do decoro parlamentar quando, na própria Câmara dos Deputados, o Advogado Geral da União chamou, sem pejos, os mandatários lá reunidos de 'golpistas', coisa que, em qualquer país de sólida tradição democrática, ensejaria as mais contundentes exigências de desagravo."
Para Gonçalves (e Avelar, por adesão) o processo brasileiro não só não pode ser chamado de golpe no sentido clássico, mas não pode ser comparado a um golpe sob qualquer circunstância. A diferença do caso paraguaio para o nosso é o fato de que por lá os prazos para defesa foram extremamente exíguos e a motivação não teria sido um escândalo de corrupção, mas um pretexto moral (as crias de Lugo). Cabe ressaltar que os tais "golpes brancos" não são vinculados a um prazo específico ou à extensão e complexidade do processo. Pelo contrário, quanto maior a impressão de que os procedimentos foram seguidos à risca, melhor caracterizada fica a coisa. Neste sentido, penso que é justamente o golpe paraguaio que se situa na condição limítrofe dessa modalidade de ruptura democrática, é quase um golpe clássico. A coisa aqui foi cozida em fogo baixo, nossos rabos devidamente lubrificados, o discurso da mídia martelado à exaustão. Fomos vencidos, afinal, pelo cansaço, alienação e bundamolice, conforme ilustrou Laerte, de forma brilhante:
Gonçalves, ao contrário, utiliza o fato de que o procedimento foi conduzido lenta e cautelosamente para justificar sua adesão à tese de que "se o STF respalda o procedimento e existe previsão constitucional para impeachment não é golpe":
"Contudo, desde uma perspectiva constitucional, o processamento do
impeachment – cujo rito vem sendo estritamente fixado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), com toda clareza e publicidade em sessões
até transmitidas pela televisão –, não há nunca de ser chamado de 'golpe' e, muito menos, de “golpe de Estado”. Golpe de Estado é, isso
sim, um atentado à ordem instituída caracterizado por um procedimento de
tomada do poder rápido, vigoroso e perpetrado ao arrepio da lei e da
Constituição, via de regra mercê do emprego da força militar coativa.
Assim, é próprio à dinâmica do golpe de Estado um tipo de agilidade que,
impondo surpresa aos seus adversários, cuida de se precaver contra
eventuais resistências."
Puta merda, então precisa do elemento-surpresa. Novidade pra mim e pro Brasil, país no qual o último golpe reconhecido por todos foi arquitetado por 10 anos, coincidentemente gestado através de muita propaganda, apoio da mídia e setores conservadores da sociedade nacional. Sei lá, talvez só o finalzinho conte nessa regra, quando os militares pulam por detrás da cadeira do Jango e gritam "surpresa!".
Dilma, em uma de suas muitas respostas no senado, afirmou que em lugar nenhum na literatura política é dito que golpe de Estado = golpe militar. Não é verdade, há autores que dizem isso...trata-se, porém, de uma leitura anacrônica da realidade política: ou a conjuntura brasileira não comporta um novo golpe militar, ou (o que penso ser o mais provável), simplesmente os interessados optam pelo menor esforço, o golpe parlamentar.
Goste-se ou não de Dilma, é fato que as acusações contra ela não passam de um pretexto para devolver o poder no Brasil aos seus "donos" de fato.
O texto traz alguns elementos interessantes, que podem ser utilizados como justificativa para o raciocínio que pretende conduzir: o marketing político certamente busca o exagero em suas declarações. Não significa, em absoluto, que o processo atual se trate de uma construção de marquetagem...mas pra arrematar o argumento, o autor nos dá a origem da utilização do termo golpe no caso nacional: Paulo Henrique Amorim.
"O rumor do 'golpismo' provém da expressão 'Partido da Imprensa Golpista' (PIG),
um vitupério cunhado em 2008 para se denegrir as grandes redes de
mídia, das quais foram demitidos alguns jornalistas, desde então, e
repentinamente, empenhados em interpretar seus afastamentos como
autênticas perseguições ideológicas."
Certo...foi porque PHA criou este vitupério (quer dizer insulto, eu olhei) à grande mídia brasileira, que os néscios da esquerda toda - incluindo Chomsky e Zizek, unidos num só coração - chamam a coisa de golpe. Honestamente, no momento atual não tenho um pingo de paciência pra essa intelectualidade cínica e vaidosa de setores da intelligentsia da esquerda. Serve pra bosta nenhuma.Quem se dispuser a ler o texto me diga depois em qual tipo de discurso reside a exclusividade da retórica política. Enquanto se discute se é permitido chamar a coisa de golpe ou não (como se qualquer coisa dependesse de suas iluminadas cabeças), o golpe é consumado.
Lembro de um livro de uma tal velha COLEÇÃO PRISMA sobre corpo humano, que mostrava o crescimento deste e como as proporções corporais variavam muito. Nesse livro e na maioria das imagens que vi, o foco recai sobre a cabeça: sua proporção em relação ao total do corpo é o que mais drasticamente se transforma. No livro velho e vários outros lugares, eles tinham uma forma meio grotesca de mostrar que que a relação cabeça/corpo de um nenê é muitíssimo maior que a mesma relação em um adulto: desenhar um fetão gigante.
(o desenho do livro que vi era ainda mais feito que esse!)
Forma-se nessas imagens um lugar comum de que a cabeça seria aquilo que tem o tamanho "inicial" (recém-nascido) mais parecido com o 'final' (adulto).
De fato, somos seres que nascem cabeçudos. É fácil verificar isso de forma pungente, por exemplo, vendo que o braço de meu filho recém-nascido esticado ao máximo para cima quase não ultrapassava a altura de sua massiva cabeça (tenho fotos para provar).
(Aliás, fiquei uns meses encanado sobre se meu filho não tinha algum problema. Pesquisei na web sobre hidrocefalia e etc. Não havia nada, apenas mais um braquicéfalo arruivado como o pai, e só.)
Há mais do que isso: no lugar-comum científico, nosso cabeção é simbolicamente importante. Somos homo sapiens, somos pensantes, temos o cérebro mais foderoso da natureza conhecida e etc. etc.
Mas então comprova-se? A cabeça é o que menos cresce, o que proporcionalmente já nasce mais próximo do tamanho final?
Bom, ser pai de um menino me mostrou que não. Nenhum livro me preparou, por exemplo, para o tamanho do SACO ESCROTAL de um bebê de poucos meses. Juro: tem horas que parecia não ser muito menor que o de um adulto.
(há uma breve menção a esse fato em 'O Pêndulo de Foucault', do Umberto Eco, com fim narrativo meramente meigo/cômico)
Mas, sim, crianças: embora só vá funcionar de verdade vários anos depois, em termos de tamanho o SACO parece ser a parte do corpo humano (masculino) que mais nasce tal como fica.
Sempre tive certa fascinação por crianças pequenas. Fascinação, alguma paciência (nada de mais), alguma pouca boa vontade e certa curiosidade.
Mas ter um filho obviamente te deixa mais consciente e mais fascinado, tanto por ele quanto por outros em geral.
(Ou não; vou falar só por mim aqui.)
Quando começamos a falar do quão fascinantes são as miudezas dos filhos, alguns podem pensar: "bem, é teu filho, tudo que vir a fazer parecer-te-á lindo."
É um argumento razoável, mas eu gostaria de propor uma opção contrária: ter um filho meu é que é a única e intransferível chance de realmente prestar atenção em um bebê, em uma criança pequena; de presenciar de fato a absurda, visceral e banal maravilha de seu desenvolvimento, com um olhar que não é o do mero diletantismo, que não é o olhar daquele interesse sincero, simpático mas diáfano que devotamos àquilo que não é de nossa responsabilidade.
Quando eu falo re RESPONSABILIDADE, por sua vez, há que se ter em vista que há vários tipos. Pode-se falar, de início, daquela compartilhada com os seres humanos em geral: a responsabilidade para com aquilo que amamos. Em seguida, há aquela compartilhada por todos os "criadores", adotivos ou sanguíneos, da mesma espécie ou interespécies (ou interreinos, se contarmos os cuidadores de plantas), que é a responsabilidade para com as coisas que dependem de nós para viver e se desenvolver. E, por último, há aquela responsabilidade agravante, mais filosófica e narcísica talvez, que se cumula sobre as outras e que é exclusiva dos pais genitores, e que todo amor dos pais adotivos (que são muitas vezes os único dignos do título) não pode adquirir: a responsabilidade de algo que só EXISTE por sua causa. Mais do que apenas afetado por você (como ele é ao ser educado), seu filho genético é literalmente um EFEITO seu. Não sei se o termo "responsabilidade" dá conta do que está envolvido aqui.