sábado, 12 de março de 2016

Temporada de caça

Alguns comentários sobre o estado atual do galinheiro midiojurídico no caso do pedido de "prisão preventiva" de Lula:


1.Hegel-Engels -- "Dialética" da malandragem



O comentário de Renato Janine Ribeiro resumiu bem a questão das citações pseudo-eruditas no pedido de prisão preventiva de Lula feito por promotores do Ministério Público de São Paulo. O erro -- que, mais que citar autores errado, é o erro de querer pagar de culto sem saber do que está falando -- serve sobretudo de indício da (des)qualificação profissional e intelectual dos envolvidos no MP paulista.
E também serve de indício que um dos efeitos simbólicos da "condução coercitiva" de Moro será a abertura de temporada de caça (ou pesca?) a Lula, com qualquer imbecil com autoridade sentindo-se no direto de ter sua vez sob os holofotes por meio da imolação do molusco barbado.


2. Negação e amadorismo

Contudo, a insistência na quantidade de piadas a respeito de Hegel nas redes sociais já começou a me incomodar. Porque não é tão engraçado.
E porque, sinceramente, pessoal da esquerda: é denial de nossa parte.

Digo isso porque esse erro grosseiro da MP paulista infelizmente empalidece diante da ratada-mor da Deputada Jandira Feghali que, logo após a liberação da "condução coercitiva" de Lula,  compartilhou vídeo de si mesma falando enquanto Lula está ao fundo brandando alto e claro que "eles" (sem especificação) "iriam enfiar o processo no cu".




Só uma porcentagem MUITO pequena da população do Brasil seria capaz de entender a diferença entre Hegel e Engels; e só uma parcela um pouco menor dessa mesma fração está se incomodando e desqualificando o pedido com isso (pois há os que acham que qualquer coisa vale desde que prenda-se o Lula).

Mas praticamente 100% dos brasileiros seria capaz de se chocar com o "enfiar no cu" de Lula -- e de perceber que o que Feghali fez ao compartilhar afobadamente seu vídeo antes de checar seu resultado foi uma besteira colossal, um descuido tremendo. Perto da "pateticidade" evidente disso, como minha amiga Marina Vianna comentou, a onda de gozações com Hegel/Engels que tomou meu feed do facebook e o de outros soa meramente intelectualóide, reclamações pernósticas de uma elite intelectual empedernida.

O rompante flagrado de Lula, por sua vez, tornou-se justamente um "embasamento" do pedido de prisão preventiva, que o acusava de pretender contrariar a justiça e inflamar o país. Conclusão não surpreendente: na atual temporada de caça, tudo que Lula parecer fazer pode e será usado contra ele. E ao que parece, mais do que só de seus inimigos, Lula precisa também resguardar-se da incompetência de seus aliados...

Detalhe curioso e procupante: diversos amigos meus que já estavam a reclamar da tosqueira do pedido de prisão e da confusão Hegel-Engels nem sequer sabiam desse vídeo de Feghali. Isso é um sintoma do quanto a "faxina ideológica" que muitos têm feito no facebook em prol de sua saúde emocional tende a colocá-los em estado de isolamento discursivo e ideológico, tendo como fonte de dados apenas aqueles com quem já concordamos.


3. O que me preocupa de verdade

Mas aqui vem o que, para mim, é o real absurdo do tal pedido.
Não há nada visivelmente "conspiratório" na fala de Lula. Nem se tratava de um pronunciamento público, de uma calúnia ou injúria proferida abertamente, mas de um rompante emocional estritamente privativo diante de pouquíssimas pessoas.

Assim sendo... percebem o que significaria o fato de uma pessoa poder ser criminalizada por meramente falar inflamadamente e insultar **em âmbito privado** um aparato institucional?
Uma realidade em que o ato de, na privacidade de sua própria casa ou escritório, "mandar" algum magistrado tomar no reto, ou de "mandar" uma autoridade ir ter com sua hipotética parturiente prostituinte...  pode render um pedido de prisão preventiva?

Há muita coisa misturada aqui: o oportunismo tosco dos promotores, o delírio anticomunista e renitente ódio de classe, bem como a quase infinita empáfia tão arraigada no judiciário brasileiro.
No contexto de acirramento e afobamento político e emocional, a mistura explosiva desses venenos está arruinando ainda mais nossa já precário, parcial e casuístico "Estado de direito".

Nenhum comentário: