Por esse acaso evolutivo, o DEZ acabou adquirindo importância simbólica quase inevitável. Sobretudo na marcação da passagem do tempo.
Pode-se comemorar os 7 ou os 14 anos de existência de uma empresa, de um site ou qualquer outra empreitada; mas tais celebrações não têm no número de anos uma importância especial.
Os primeiros Dez anos de algo, por outro lado, são especialmente comemorados pelo número em si.
Os primeiros cinco anos também, é claro: completa-se neles uma mão inteira de anos (quem não comemoraria isso?). Dez anos, contudo, é o tempo de uma DÉCADA: esse estranho recorte temporal do qual nos acostumamos a esperar (ou impor) uma miragem de "identidade" histórica -- "OS anos 60", "OS anos 80" e etc, como se alguma síntese possível pudesse recobrir um vagalhão de eventos heterogêneos apenas vagamente correlacionados ou mesmo meramente simultâneos.
Se em cinco anos de nossa época recente se vê muita coisa ocorrendo, em dez anos o mundo geralmente muda pra caralho. Enquanto recorte de tempo, portanto, os dez anos já adquirem uma aspiração levemente mais "histórica".
Pois bem: tudo isso pra dizer que, afinal,
Wilbor se Revolta já completou uma década.
Logo nos primeiros anos do Wilbor, em nossas mitológicas reuniões de pauta, eu e Marcelo já tínhamos especulado sobre como seria ter um blog por dez, vinte anos. O quão relevante seu acúmulo de conteúdo poderia chegar a ser, fosse como esforço intelectual, fosse como registro do desenvolvimento de nosso pensamento, fosse como testemunho documental do passar do tempo. Galhofeiramente, especulávamos se Wilbor seria bibliografia de alguém em algum dia.
Tendo isso em vista, é muio interessante para nós poder olhar para aquilo que já fizemos desde então. É merecido destacar, comemorar e observar o ato de se completar o primeiro decênio.
Contudo, um dado tão ou mais significativo que o aniversário do blog é o fato dele já ter ocorrido há meses atrás (16 de setembro, pra ser exato) e ter passado completamente em branco aqui.
Nenhuma efeméride, nenhuma comemoração, nem sequer uma mudança do template do blog. Nós, que brincávamos de mudar e alterar o blog por qualquer coisinha, deixamos passar a data mais marcante de sua existência até então.
Por um lado, esse fato se relaciona indiscutivelmente à grande correria das vidas destes blogueiros no ano que se passou: Marcelo se empenhando na qualificação de seu doutorado, eu tendo acabado de defender uma tese e estando recém-convertido em pai de família. Para além desses fatores, essa falta também é indicativa do estado de ânimo que nos deixou este último ano de merda que foi 2015 no âmbito político/econômico nacional; um ano aziago para além de nosso pesadelos, no qual as flores mais perversas plantadas na confusão de 2013 pareceram desabrochar e feder. Como já me falou o Marcelo: "çaporra me quebrou, mano!"
Contudo, nossa ausência e descuido a respeito de anunciar e pensar o fechamento da primeira década de Wilbor de Revolta é, infelizmente, significativo da relativa perda de relevância que o próprio formato "blog" sofreu desde nossa última comemoração, há cinco anos.
* * *
Outro dia eu tive que GOOGLAR o endereço deste blog. Sério.
Eu não conseguia lembrar de imediato. Ou melhor, googlar era mais rápido e fácil do que me lembrar do endereço do blog que tenho e edito há dez anos.Tudo bem que era seis da manhã, eu tinha acabado de acordar, e minha cabeça nunca mais foi a mesma depois do desgaste do doutorado (atenção, Marcelo!!!). Mas não deixa de ser um indício forte da exígua atenção que tem restado ao blog.
Eu não conseguia lembrar de imediato. Ou melhor, googlar era mais rápido e fácil do que me lembrar do endereço do blog que tenho e edito há dez anos.Tudo bem que era seis da manhã, eu tinha acabado de acordar, e minha cabeça nunca mais foi a mesma depois do desgaste do doutorado (atenção, Marcelo!!!). Mas não deixa de ser um indício forte da exígua atenção que tem restado ao blog.
Uma desatenção, por sua vez, não surgiu de repente; foi gradual e progressiva.
Em 2010, ano do quinto aniversário do blog, fizemos 115 postagens.
Em 2012, fizemos 48.
Em 2013 -- o ano-furacão -- 11.
Em 2014, 15.
Em 2015, afinal, estagnamos no número raquítico de 7 postagens.
* * *
Mais que só uma questão pessoal de falta de tempo para finalizar textos a contento, essa falta de uso do blog também se conecta ao estágio atual de desenvolvimento da internet. Longe se ser caso isolado, esse relativo abandono de nosso blog é parte de um fenômeno bem mais geral: a maneira como as redes sociais usurparam nossa atenção e nossa produção.
Ou, mais especificamente, como o Facebook o fez.
Para mim, a articulação da dupla Timeline/Feed de notícias do Face formou o mecanismos de visibilidade e propagação informacional (tô evitando a palavra "mídia") mais impactante das últimas décadas, socialmente e culturalmente. Realiza-se em software a convergência de funções que já vinha acontecendo nos hardwares: funde-se nele a imediaticidade e amplitude de propagação de plataformas como twitter e instagram com a disponibilidade para textos mais amplos e caixas de comentários intermináveis já existentes nos blogs, nos grupos de discussão de plataformas e redes sociais (como o falecido Orkut) e de variadas páginas.
Logo de início, toda a trivia de comentários e compartilhamento de coisas bacanas que costumávamos fazer pelo Wilbor passou rapidamente para o Face. E com razão: ele se presta ao compartilhamento coletivo de forma incomparavelmente mais eficiente. Ninguém precisa vir ao nosso cafofo buscar nossas sugestões de link, elas são oferecidas pelo feed.
Os posts do blog ficaram definitivamente reservados para colocações mais autorais e assuntos mais longos e desenvolvidos -- aquilo que hoje se chama de "textão". Ou seja: coisas para as quais, coincidentemente, tanto eu quanto Marcelo passamos a ter cada vez menos tempo, ambos embrenhados em nossas respectivas carreiras e vidas pessoais.
Porém, se falamos de tempo, o problema não se limita à maior escassez de tempo "fora" da rede. A verdade é que o espaço ocupado pelas redes também eclipsou nosso próprio tempo de atenção e produção. O face ocupa-nos com uma miríade de informações, com coisas que pedem nossa resposta e compartilhamento imediato, com belezas e boçalidades além da nossa concepção -- diariamente. A verdade é que perdemos muito mais tempo com comentários rápidos e compartilhamentos hoje em dia do que quando fazíamos isso pelo blog.
Porém, a absorção e a sedução das redes vai mais longe: mais que um espaço de coisas mais rápidas, o Facebook é um espaço de contato público que o blog nunca pôde ser. É um meio muito mais eficiente em "espalhar a palavra". Nossas reflexões nunca foram tão lidas quando ficávamos só no Wilbor. Como consequência, o face passou gradualmente a ser nossa plataforma primária de produção. Muitos posts do Wilbor dos últimos tempos foram originados como desenvolvimentos posteriores de posts do face. E, obviamente, tudo o que colocamos no blog é obrigatoriamente anunciado em nossas respectivas timelines.
Esse processo não foi uma exceção isolada: nesse últimos anos, ficou visível que cada vez mais blogueiros montaram no Face sua base de operações, lateralizando (ou mesmo quase abandonando) seus blogs. E porque não? O tipo de visibilidade imediata e velocidade de resposta que ele garante é impressionante.
O problema, porém, é que um "blog" é nosso de uma maneira que nossa timeline do Facebook nunca foi ou será.
* * *
Eu já percebia esse minguamento geral entre os blogs "amadores"; em geral, apenas os "grandes" blogs, os blogs profissionalizados -- em especial os ligados a aluma revista ou portal -- se mantiveram profícuos.
Mas a ficha caiu pra mim sobretudo ao ver este vídeo abaixo, da jovem blogueira Marjorie Rodrigues (cujo blog, anos atrás, praticamente me introduziu em um MONTE de questões do movimento feminista).
Mas a ficha caiu pra mim sobretudo ao ver este vídeo abaixo, da jovem blogueira Marjorie Rodrigues (cujo blog, anos atrás, praticamente me introduziu em um MONTE de questões do movimento feminista).
Resumindo o ponto principal, o Facebook está se tornando A INTERNET EM SI.
Não nos enganemos: quando fazemos qualquer coisa no facebook, não estamos no "espaço público" da internet, mas no "quintal do tio Mark". Diante de todos os brinquedos e comodidades que ele nos proporciona, abrimos mão de certo grau de nossa autonomia com alegre animação.
O primeiro problema disso, já discutido por muitos, é a falsa pluralidade. Como se sabe, há logaritmos calculando o que nos mostrar ou não no face (assim como no google, aliás) e eles tendem a nos bombardear com aquilo que JÁ nos interessa ou com aquilo que é mais popular, reforçando o entrincheiramento de nossa convivência virtual em guetos ou reforçando a visibilidade daquilo que já é muito visível. Um texto bem interessante a respeito desse fenômeno geral -- em especial, sobre os perigos para a web que a mistura entre busca incessante por "popularidade"e logaritmos secretos de visibilidade em redes sociais pode acarretar -- pode ser lido neste endereço aqui.
O segundo problema, bem incômodo, é o da memória. É difícil até encontrar nossas próprias informações e postagens na timeline, pois o Face funciona de maneira a "esconder" o velho. Não há como fazer uma simples procura no face, coisa básica que fazemos no Wilbor a todo tempo. O que coloca-se no face é muito menos "nosso", esse é o ponto. Quer dizer, nada que colocamos na internet está sob nosso controle no mesmo grau que um bem/documento material pode estar; mas há graus variados de autonomia e controle possível. Titio Mark nos fornece, pra citar o Vilém Flusser, um rascunho de "totalitarismo satisfatório": um playground fechado tão amplo em suas possibilidades que frequentemente esquecemos de seus limites. Um processo, aliás, perigoso -- pois, imersos nesse sistema, tendemos inconscientemente a formatar a nós mesmos para funcionar nesses limites.
Como uma Coletividade Borg, o Face continuadamente se expande e assimila heterogeneidade a si mesmo, mas ao mesmo tempo converte tudo à sua própria imagem e semelhança.
Faceborg.
Resistence is futile.
* * *
Bem, o que concluir disto? Eu concluo que é importante não desistir do formato, não abandonar a idéia de um blog mesmo que não se possa investir muito mais nela. Que viva. nem que seja mais como memória e arquivo organizado de informações públicas do que como fonte de novidade.
Não temos garantia nenhuma de que poder melhorar a frequência deste blog. Até porque
1. não é como se o mundo estivesse pedindo
2. a idéia sempre foi permitir-se uma frequência baixa, não encarar isto como obrigação.
Mas é preciso investir ativamente aqui, mesmo que só de vez em quando. E isso temos como garantir: que Wilbor continue existindo.
Um mocó mais nosso, apesar de tudo.
Aclamados pela autocrítica, continuaremos sem parte com o tinhoso, fazendo certas coisas com alguma frequência, sempre fazendo mais ou menos para fazer de vez em quando.
Um comentário:
Inclusive, para quem sempre acompanhou vosso Blog, é mais fácil ter contato no Facebook até mesmo com os autores... Inclusive, me ocorreu agora que o Facebook é um tipo de Cronos que a tudo devora (e tudo que é devorado volta como merda, para ser uma pouco exagerado e exasperado).
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