Um dos conceitos mais importantes do chamado
neodarwinismo ortodoxo, é a caracterização da Evolução como uma luta pela sobrevivência, porém, não uma batalha travada pelos
indivíduos, mas por seus genes. Um
tatu-bola nada mais é que uma máquina extremamente complexa que tem, por
objetivo final, a manutenção e
reprodução de um gene específico, ou de um conjunto deles. Quando um tatu-bola se reproduz, gera uma
prole que carrega exatamente 50% de seu DNA.
Como um tatu-bola macho qualquer compartilha quase todo o seu DNA com
uma tatu-bola fêmea, o tatuzinho-bola compartilhará com o pai praticamente 100%
de seu código genético. Trata-se de um processo de transmissão de genes muito eficiente.
Seguindo essa linha de pensamento, chega-se à
conclusão óbvia de que nós, humanos, também somos veículos de transmissão de
genes. Por acaso, veículos bastante
espertos. Certamente mais espertos que
tatus-bola. Foram genes que
construíram uma carapaça e deram aos tatus-bola a capacidade de se enrolar para
se proteger de predadores. Esses genes
permaneceram no DNA dos tatus porque os indivíduos que não tinham esses genes
tinham suas vísceras facilmente mastigadas por carnívoros, e animais que têm
suas vísceras mastigadas por carnívoros tem mais dificuldade em se reproduzir. Dessa forma, um ancestral qualquer do tatu
que tivesse um pedacinho pequeno de carapaça já teria alguma vantagem em
relação ao seu irmão que não tivesse. O
cérebro humano é também uma criação dos genes, possivelmente, a criação mais complexa
e extraordinária desse grupo de moléculas.
O cérebro humano se desenvolveu porque ser um pouco mais inteligente que
o macaco vizinho provou ser uma grande vantagem evolutiva. Como está claro que a inteligência humana é uma
manifestação do cérebro, pode-se afirmar que a inteligência é um atributo fenotípico,
e deve ter evoluído junto com os cérebros.
Discutir o que é inteligência é uma coisa muito
distante do meu campo específico de conhecimento, mas vamos ficar com as duas
primeiras definições do Aurélio e com a Wikipedia:
inteligência
[Do lat. intelligentia.]
Substantivo
feminino.
1.Faculdade
de aprender, apreender ou compreender; percepção, apreensão, intelecto,
intelectualidade.
2.Qualidade
ou capacidade de compreender e adaptar-se facilmente; capacidade, penetração,
agudeza, perspicácia.
Inteligência pode ser
definida como a capacidade mental de raciocinar, planejar, resolver problemas,
abstrair ideias, compreender ideias e linguagens e aprender.
Por mais que ainda existam pessoas que não
reconheçam qualquer inteligência nos "animais irracionais", a
inteligência humana teve que evoluir a partir de uma inteligência menor, e essa, de uma inteligência ainda menor, até
o ponto em que teremos uma inteligência muito primitiva evoluindo a partir de
alguma outra coisa que não era inteligente.
A primeira inteligência provavelmente foi, como todo o resto, um golpe
de sorte: uma mutação que levou a uma vantagem evolutiva.
Não é difícil reconhecer alguma inteligência em
animais. Quem teve cães, gatos e outros
bichos sabe que há cães mais e menos espertos.
Todos sabemos que cães são muito mais espertos que galinhas... Já as
galinhas são mesmo animais muito estúpidos: eu pretendia continuar o raciocínio
afirmando que galinhas são muito mais espertas que as minhocas que devoram, mas
tenho minhas dúvidas. Há quem diga que
tudo que um cão faz, faz por "instinto" - normalmente gente que acha que a
inteligência vem da alma e que alma é atributo exclusivo dos humanos
normalmente têm dificuldades em reconhecer inteligência em animais, ainda que
achem que seus bebês estejam se comportando como verdadeiros acadêmicos ao
encaixar um cubo em um orifício quadrado, coisa que chimpanzés fazem com
facilidade.
Bom, essa longa introdução serve somente para
estabelecer que a inteligência é um fenômeno produzido pelos cérebros; existe
porque genes capazes de gerar cérebros eficazes em produzir mais inteligência foram
recompensados com a sobrevivência.
Muitas das condições que levaram à evolução do
cérebro humano não existem mais - o cara que não sacou que podia jogar sua lança
na fera que vinha correndo, urrando e babando em sua direção não sobreviveu - mas o cérebro é um órgão
altamente sofisticado e adaptável, e logo pôs-se a produzir outros fenômenos interessantes,
sendo um deles o humor.
Humor é uma coisa muito difícil de definir. Recorrendo novamente ao Aurélio:
humor
(ô) [Do
lat. humor, oris.]
Substantivo
masculino.
6.Capacidade
de perceber, apreciar ou expressar o que é cômico ou divertido.
A Wikipedia deixa clara a dificuldade da definição
do termo; em algum ponto, citando São Tomás de Aquino, o artigo diz que o humor
pode ser visto como algo fundamental à existência humana. Pode ser, pode ser...aparentemente rir faz
bem, libera endorfinas e várias substâncias ligadas ao prazer. Parece ser também um momento de alívio
mental, e esse lado é explorado em um ótimo texto do Hélio Schwartsman, de 2001
(segundo texto nessa página). Citando
Arthur Koestler diz que o humor ocorre quando percebemos o choque entre dois
contextos ou códigos de regras diferentes, coerentes, porém excludentes entre
si:
Ou seja: quando observamos uma ação qualquer em
curso (ou um raciocínio qualquer), temos uma certa expectativa de resolução;
quando acontece alguma coisa e o
resultado não é aquele que esperaríamos, mas o resultado de uma outra ação
qualquer, inesperada, nós nos surpreendemos. Quando há alguma tensão ou expectativa sobre
o que deveria acontecer, a resolução de
uma piada é um momento de alívio de tensão.
A gente ri de nervoso.
Schwartsman segue lembrando que nós rimos de coisas
diferentes em idades diferentes: bebês e crianças riem de caretas,
pré-adolescentes gostam de piadas escatológicas e adolescentes gostam de piadas
sexuais. A estrutura é sempre a mesma:
algo inesperado acontece e leva ao resultado riso. O comercial "itaú sem papel" é um
bom exemplo:
O bebê rola de rir quando o pai rasga um papel na
sua frente. O que será que se passa na
cabeça da criança? "esse negócio é
grande, quando meu pai mexe nele, ele se movimenta". De repente, o pai
rasga um pedaço - movimentos devem gerar movimentos, não transformar um objeto
grande em algo menos, fazendo um barulho estranho. É uma relação não-óbvia.
Enfim, conforme envelhecemos, vamos percebendo
relações não óbvias no plano abstrato.
Algumas pessoa são melhores que outras nisso. A formação cultural tem algum peso na capacidade
humorística das pessoas, mas não é determinante. Claro que além de fornecer um certo
vocabulário e repertório, a imersão cultural é intelectualizante. Piadas só funcionam se as pessoas
compartilham dos elementos necessários para a compreensão. Ainda assim, há pessoas que são boas em
perceber o humor, outras que além de perceber, se divertem produzindo
humor. Essas duas habilidades
aparentemente estão relacionadas a algum tipo de inteligência.
Um indivíduo faz uma piada porque:
1. Percebeu
uma situação que julgou engraçada e teve vontade de compartilhar.
É o humor situacional: um comentário no metrô,
chamar a atenção de alguém com o olhar para uma situação qualquer, lembrar de
uma história ou piada que tenha a ver com um determinado contexto;
2. Demonstração
de habilidade intelectual.
Já li por aí que a produção humorística é uma
característica mais comum em homens que em mulheres. Embora a capacidade de entender piadas seja
igual entre os dois sexos, contar piadas seria uma forma dos homens demonstrarem
às mulheres a sua inteligência e habilidades sociais. A enorme superioridade numérica dos homens
entre os humoristas parece indicar que essa é uma hipótese razoável.
Um indivíduo não acha graça em uma piada porque:
1. Não foi
capaz de abstrair os elementos que geram a situação contraditória. Schwartsman traz dois bons exemplos:
"O
masoquista é a pessoa que gosta de um banho frio pelas manhãs e, por isso, toma
uma ducha quente".
"O
sádico é a pessoa que é gentil com o masoquista"
A compreensão do humor nessas frases requer um
pensamento relativamente complexo, que vai além da simples compreensão do que é
ser masoquista ou sádico:
- o masoquista é alguém que sente prazer no
sofrimento;
- o masoquista da piada sente prazer em tomar
banhos frios pela manhã;
- o masoquista toma um banho quente para não ter o prazer do banho frio, sofre, e
assim ter prazer.
No final fica assim: o masoquista gosta de não
fazer aquilo que gosta de fazer. A
segunda frase segue uma lógica semelhante.
2. Não
entendeu porque não partilha de um certo contexto.
Situação de piadas que só podem ser compreendidas
por pessoas que tenham um conhecimento prévio qualquer: o apelido de alguém,
gírias ou termos restritos a determinados grupos, idioma ou cultura de locais
diferentes (Family Guy é um bom exemplo de humor muito autorreferente à cultura
televisiva norte-americana).
3. Entendeu,
mas não vê graça porque a piada é óbvia demais.
Conforme as pessoas vão envelhecendo, ganhando
cultura e convivendo com humor, certas coisas deixam de ter graça porque a
contradição envolvida já foi vista muitas vezes. Acontece, por exemplo, quando ouvimos anedotas
infantis (do tipo "a piada do pintinho caipira é 'pir'"). É um caso de diferença de elaboração
intelectual.
4. Entendeu,
mas não acha graça porque considera a piada "imoral".
Caso de quem, por motivos culturais (postura
conservadora), fica chocado com o simples exercício hipotético de situações
ofensivas. É também o caso dos
neuróticos do politicamente correto: não pode piada com nada, só de pintinho
caipira mesmo.
O humor não lida, necessariamente, com
preconceitos, ainda que utilize muito o preconceito como arma. Talvez isso ocorra porque quando se faz uma
piada, pressupõe-se uma certa "imunidade diplomática": percebe-se uma
situação que só seria engraçada caso preconceito "x" seja
invocado. O humor do tipo "piadas
de salão", dessas que comediantes como Ary Toledo costumam contar, são baseadas, quase que
exclusivamente em preconceitos: português, puta, preto, japonês, brasileiro
(safado ou esperto), nordestino, padre, freira, judeu, muçulmano, turco,
médico, enfermeira, advogado, corintiano.
Outras figuras comuns são o papagaio, que às vezes entra como esperto,
às vezes aparece como sidekick de algum espertalhão; o "Joãozinho",
garoto travesso.
"O Manoel,
viajando pelo Brasil, vê um papagaio falando, fica impressionado com o bicho e
resolve comprar um. O vendedor, um
brasileiro meio safado, resolve tirar proveito do gajo e o vende uma coruja,
dizendo ser um papagaio. O Manoel não
nota a diferença e leva a ave para Portugal.
Anos depois, volta ao Brasil e o vendedor pergunta: - e aí Manoel, o
louro já aprendeu a falar? E o portuga
tasca: - aprender, não aprendeu...mas presta uma atenção!"
Em recente entrevista ao Roda Viva, Angeli
perguntou ao Laerte se seria possível fazer humor com gay sem ser
preconceituoso. A pergunta e a resposta
estão nos 3 primeiros minutos deste vídeo:
Concordo com o Laerte. Quando se faz humor com gays (ou qualquer
outro grupo), lida-se com o preconceito, porém, há uma tolerância. Um reflexo disso é a chatice do humor
televisivo brasileiro, extremamente limitado pelo que se pode ou não
dizer. Nesse sentido, o humor americano
se beneficia do fato de que o país leva muito a sério as tais da Democracia e da Liberdade de Expressão, ainda que o país não se importe muito com democracia em outros
países. No Brasil não há nada na
televisão tão ácido e engraçado como Family Guy - aliás, o Laerte citou, em texto recente no seu blog que mesmo a tradução do título do desenho e do tema de
abertura foram "babaquizados" para o mercado brasileiro. Nos EUA pode-se dizer tudo.
Seguindo com a idéia, preconceito é uma estratégia muito utilizada, porém, não a única. É possível fazer piada sem apelar para preconceitos e, no Brasil, o Laerte é mestre nisso.
Vejam, a graça dessa tirinha vem do desfecho inesperado, completamente independente da sequência dos dois primeiros quadrinhos. É o non-sense.
Esse é mais elaborado que o humor anedótico, porque requer que o receptor detecte uma mensagem sutil de um contexto no qual a punchline é non-sequitur. O humor televisivo inglês (e derivados) se apoiou largamente nessa possibilidade humorística, e o fazem muito bem há muito tempo. Não sei se Monty Python inaugurou o estilo na TV, com o Flying Circus, mas certamente o grupo fez escola. Pra quem não conhece, aqui vai um quadro clássico da trupe britânica:
Na mesma linha temos "Big Train" e "That Mitchell and Webb look", ambos ingleses, e o canadense "The kids in the Hall", produzido por Lorne Michaels, do Saturday Night Live.
Mas nem por isso o humor inglês abdicou do preconceito como arma humorística. Recentemente o Gabriel me indicou um seriado inglês, chamado "Life´s too short". A tradução literal seria "A vida é muito curta", sendo que o short em inglês pode se referir tanto a curto quanto a baixo em estatura. O programa é dirigido por Ricky Gervais, o criador e diretor do "The Office". Gervais é brilhante, e se consagrou, sobretudo, por um tipo de humor awckward, ou seja, constrangedor.
O programa é estrelado por um anão relativamente famoso, Warwick Davis, que participou de vários filmes (Harry Potter, StarWars - neste último, como ewok). No programa, feito em formato documentário-falso, ele interpreta a si próprio, e tem uma agência que aluga anões para participações em filmes, TV e eventos de toda sorte, a "dwarves for rental".
As coisas que acontecem com ele são as mais chocantes possíveis, uma vez que o cara tem um ego gigante. Gervais explora desde humilhações a quedas - e Warwick cai muitas vezes. Uma cena do terceiro episódio se desenrola da seguinte forma:
Warwick inaugura seu website, que é um fracasso de acessos. Lá pelas tantas, ele começa a receber mensagens humilhantes. Descobre que se trata de um estudante de uma escola próxima e vai lá tirar satisfação. Entra na sala e começa a ler, para a sala de aula e o professor, uma mensagem que recebeu:
"Seu trolzinho feioso, eu quero te amarrar e te espancar."
a turma ri, o professor pede silêncio e ele começa a comentar:
"agora, não entendo o porque de tanta fascinação comigo...claramente deve ter um fetiche por anões.
a turma volta a rir, ele gosta de estar sendo divertido e continua:
"quer me amarrar, não? Me parece meio gay..."
(risadas)
"talvez esteja apaixonado por mim...um fetiche gay por anões. Seu nome é Justin Palmer."
a turma silencia, claramente constrangida. O professor chama o tal Justin Palmer. Nesse momento, escuta-se um barulho de motor, a câmera foca o rosto do anão, que fica consternado. O garoto indo em direção a ele é um tetraplégico. O professor interroga o menino:
Justin, isso é verdade? Você escreveu isso? Você fez cyber-bullying com este homem?
Sim.
Nesse ponto, o professor obriga o menino a se desculpar. O anão diz que não é necessário, mas o professor prossegue, o menino se desculpa e começa a voltar pro seu lugar. Quando está no meio do caminho, alguém joga um papel nele e grita "gay". A turma ri. A câmera filma o anão várias vezes, que ocasionalmente olha para a lente, o que transporta o espectador para o constrangimento da cena. Depois, a câmera filma rapidamente o menino tetraplégico, que tem uma lágrima escorrendo.
É o tipo de coisa que normalmente revolta as pessoas, especialmente quando se transcreve a situação, como fiz aqui. Cenas como essa despertam o moralismo em muitas pessoas, antes de qualquer possibilidade de compreensão humorística. Mas quem já viu "The office" sabe como Gervais trabalha, e há uma graça nisso. O humor nessa cena consiste em alívio...é engraçado porque é muito errado. E sabemos que é uma encenação, que isso não poderia acontecer.
Infelizmente não achei nenhum vídeo com legenda dessa série, mas deixo aqui uma cena em que Liam Neeson conversa com Gervais a respeito de fazer algum trabalho humorístico. É o tipo de coisa que jamais poderia ser feito por aqui (e tem muita gente pensando "ainda bem, não queremos essa droga").
No making of, os atores que participam da série falam sobre o programa. O depoimento mais interessante é o de uma anã, que explica que sim, estão mexendo com preconceitos...mas para atingir uma idéia de humor muito mais profunda do que se imagina numa olhada rápida.
Enquanto isso, no Brasil estamos processando comediantes por conta de piadas. O post abaixo, do Gabriel, traz bons exemplos de como bobagens foram transformadas em celeumas nacionais. Além das confusões do Gentili, teve o processo do rafa Bastos.
O humor deve ser entendido como arte. Um cara como david Letterman, capaz de fazer piadas todos os dias, um Gervais, capaz de nos fazer rir das situações mais fdps, entre outros, são artistas geniais. Da mesma forma que não se cogitou censurar os quadros de assassinatos de Lula, FHC e outros na última Bienal, que não se cogita proibir estátuas nuas, fotografias da desgraça humana ou comprometedoras, deve-se respeitar a liberdade humorística - aliás, a liberdade de expressão de forma geral.
8 comentários:
Marcelo, concordo contigo no que tange ao humor e que no Brasil, o humor, é meio babaca e estagnado. E também apelamos muito para o humor de jargão...
Só discordo quanto a um ponto que nem foi objeto do post, relativo a como os Estados Unidos eleva a questão da Democracia.
A questão da liberdade de expressão nos Estados Unidos é levado as últimas consequências mesmo, até para publicações realmente racistas e preconceituosas, permitindo-se agremiações neonazistas e racistas.
Coisa que no Brasil seria impensável.
Mas este é o preço de uma Liberdade como pagamos o nosso por outras liberdades.
Os Estados têm de optar pagar um preço pela Liberdade escolhida e este é o preço pela Liberdade de expressão plena que os Estados Unidos pagam.
Por outro lado, vemos que manifestações pacificas nem sempre são tão bem recebidas quando envolvem o velho poderio econômico como foi o caso de "Ocupe Wall Street", que os manifestantes foram retirados a força por diversas vezes, ainda assim revestida de um processo judicial o que é ótimo para o equilíbrio do poder.
De qualquer forma, uma questão que seria impensável no Brasil atual, pós ditadura, é o caso do Patriot Act e de monitoramento de milhões de formas de comunicação, que foi editado em prol da segurança nacional.
O que quero dizer é que as Liberdades variam de um Estado para o outro e em alguns pontos o Brasil é mais Democrático e em outros menos.
Enfim, o texto está ótimo, sei que meu comentário se atentou para um pondo que você citou no texto apenas de passagem, mas não poderia deixar de exercer meu direito a opinião...hehehe...
Sobre a origem do termo "politicamente correto": http://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/04/04/as-origens-da-expressao-%E2%80%9Cpoliticamente-correto%E2%80%9D/
Fala Marcel,
Então, realmente essa questão da liberdade de expressão nos EUA era ponto secundário nesse texto, mas já que você tocou nele, vamos lá.
O direito à existência de agremiações neo-nazistas e racistas nos EUA é sim, o preço que eles pagam por julgarem a Liberdade de Expressão um bem maior.
Assim como nos EUA, aqui existe racismo de verdade, ainda que este ocorra de forma mais discreta...agora, essa "discrição" ocorre aqui justamente porque nós, brasileiros, não estamos tão acostumados ao debate franco de idéias, ocorrendo de forma generalizada na sociedade. É bom lembrar que mesmo sem uma KKK, de vez em quando incendeiam índios e mendigos por aqui.
Por mais a opinião generalizada seja a de que os americanos são todos uns bobos alienados, o nível de debate político por lá é muito mais intenso e profundo. Os eleitores democratas e republicanos sabem exatamente porque votam em seus candidatos, o debate político em blogs é muito forte, os debates em programas jornalísticos idem - não estou falando ainda de debates presidenciais, mas de programas de TV que frequentemente levam pessoas com visões opostas para debater na TV...e essas pessoas, muitas vezes se digladiam num nível que seria considerado extremamente mal educado por aqui.
Nós vivemos o paradigma do homem cordial mesmo...no Brasil, a tendência é que as pessoas comecem uma discussão já buscando os pontos comuns, para que o saldo final seja todo mundo concordando (com qualquer coisa).
Enfim, a cultura do debate é muito viva nos EUA. De qualquer forma, nem mesmo isso os impede de entrar em contradições brutais: o Patriot Act é um absurdo para os padrões americanos, mas vale lembrar que o Bush aprovou isso sob condições muito anormais.
Quanto às desocupações de Wall Street, bem...nada comparável com Pinheirinho, não?
Enfim, é possível discutir o sistema político americano e encontrar bizarrices - a começar pelo sistema de eleições presidenciais. Mas o fato é que democracia é um conceito muito mais vital na cabeça de um americano que nas nossas (mas muito mesmo).
Abraços e obrigado pelos comentários, tira um pouco da sensação de deserto...rsrsrs!
Gabriel,
uma das coisas interessantes desse texto é que nos faz pensar que já estamos ficando velhos mesmo. O termo "politicamente correto" começou a ser usado quando a gente já pensava um pouco em política, e eu tenho essa lembrança da utilização em função da denominação racial nos EUA, embora não me lembre se presenciei isso antes aqui ou lá.
Mais interessante ainda foi ler que o Dinesh D’Souza tem alguma relevância nessa discussão. eu conheço essa figura já há algum tempo, porque hoje ele é um dos principais expoentes intelectuais dos criacionistas (não sei se criacionista intelectual é um termo adequado).
Dinesh D’Souza é um cara que pensa por sofismas e fala muito e muito alto. Já assisti alguns debates dele no Youtube, inclusive um contra o Daniel Dennet e outro contra o Hitchens...não me lembro emqual dos dois rolou um Q&A nom qual um moleque explicou pra ele que o fato de falar mais alto não ajudava em nada os seus argumentos.
Enfim, é curioso ver por onde passam essas estrelas conservadoras.
Então Marcelo, na população média com certeza os Estados Unidos deve ter uma melhor cultura política, e é praticamente obrigação se for comparado ao Brasil que só recentemente esboça uma melhora generalizada da sociedade. Caso contrário ai sim eles seriam uns babacas.
Mas de qualquer forma, quanto ao Patriot Act, não podemos esquecer que o Obama procrastinou a sua vigência.
De um jeito ou de outro, quando digo sobre as Liberdades Políticas e Garantias Democráticas isto não é relativo a população norte-americana e sim garantias asseguradas pelo Estado. Este era meu ponto.
Por exemplo, mesmo manca o Brasil assegura a Saúde Pública a população, isto é uma Garantia Democrática. Os Estados Unidos ainda não. Mas isto é apenas um exemplo meio bobo.
E um ponto que acho os Estados Unidos menos democrático e transparente que o Brasil é em tudo que se menciona Segurança Nacional, onde parece que há uma histeria generalizada. Não que não tenha justificativa histórico-cultural, mas o fato é que ocorre.
E que no Brasil só se observou em anos de chumbo, ou seja, quando não éramos uma democracia.
Então, não como povo (que é a dimensão pessoal do Estado) que eu sinceramente espero, sejam os americanos,muito mais dados a política o brasileiro médio, já que é até uma esperança para nós mesmo se tivermos mais dinheiro e educação. Mas enquanto Estado como dimensão jurídica política, onde me parece que os E.U.A dispensam algumas Garantias Democráticas a menos que aqui.
E isto é normal entre todos Estados.
Então há pontos que os Estados Unidos assegurem menos garantias democráticas que o Brasil e outros que o Brasil assegure menos segurança democrática que os Estados Unidos, como dito enquanto Estados.
O que também é diferente de efetiva-las, já que o Brasil é mais pobre e tem ainda barreiras estruturais gigantescas a serem sanadas.
Por exemplo, um ponto que o Brasil paga o preço, mas é considerada uma garantia democrática e de Direitos Humanos é a limitação de penas em 30 anos (que diga-se de passagem está sendo discutida para passar para 35 ou 40 anos) em pena de prisão, bem como o complexo sistema de progressão de regime. Que possa até enumerar diversas críticas sobre o sistema prisional e penal brasileiros, mas é considerado amplamente democrático, em teoria pelo menos.
Mas de qualquer forma, a progressão e a limitação de prisão são fatos. E pagamos um certo preço por isso.
É ruim, mas é tão ruim quanto a possibilidade de difusão de idéias neonazistas.
Quero dizer, é um preço pequeno sim, nunca disse que era alto e temos que conviver com isso.
Mas por outro lado a mídia brasileira do jeito que é também é democrática ao monopolizar uma visão??? Me parece que não... Ai os Franceses que parecem mais democráticos mesmo impondo legalmente a necessidade de um ponto de vista contrário as matérias politicas e opinativas da mídia de periódicos.
Marcel,
Pra uma discussão sobre humor essa discussão tá um pouco deslocada...rsrsrs!
Esse é um bom insight sobre o tema, gostaria de comentar algumas coisas: é certo que há diferenças no grau de democracia que é ofertado pelos Estados brasileiro e norte-americano.
Primeiro quero lembrar que a referência feita por mim nesse texto, em relação à democracia e liberdade de expressão se refere exclusivamente ao plano cultural, visando entender porque nos Estados Unidos é mais fácil fazer piadas com qualquer coisa que seja sem ficar se preocupando se haverão consequências jurídicas.
Também, quando falo que há uma consciência democrática maior por lá, isso não exclui o fato de que a maioria deles (como a maioria de nós) não sabem muita coisa sobre regimes políticos, sistemas de governo, Estado democrático de direito e outros conceitos fundamentais nessa conversa toda. O fato é que, um caipira qualquer nos EUA, ignorante feito uma galinha, sabe que quando assiste um programa na TV e vê um comediante qualquer tirando uma onda com o Obama - e eles fazem isso de forma muito pesada - está apenas exercendo um direito. Já por aqui, mesmo as elites reagem com estranhamento quando veem alguém batendo pesado demais em alguma figura pública.
Quanto às "garantias democráticas": acho que Democracia não pode ser medida, de forma objetiva, por acesso à saúde e serviços públicos, segurança nacional ou aspectos de limitação de penas.
Serviços públicos não são exclusividade de regimes democráticos, é só lembrar da saúde pública de Cuba. A não existência do sistema público de saúde americano é fruto de um processo econômico, no qual as grandes corporações não querem perder a hegemonia dos planos de saúde, utilizando a desculpa de que saúde universal é coisa de comunista, que isso configura redistribuição de renda, etc...
Já as garantias que impedem os maus-tratos contra presos, penas absurdas, tortura, e que conferem à população o acesso à educação, saúde, cultura, etc...tem mais a ver com direitos humanos, como você também apontou.
O que acontece e que pode ser elemento gerador de confusão é que normalmente os Estados mais democráticos são também os mais "imersos" nos direitos humanos, embora se possa se arguir que a democracia foi um passo fundamental para a conquista dos direitos humanos, entre outras coisas importantes.
Quanto ao Patriot Act, você está coberto de razão - é claramente antidemocrático, uma vez que viola, de fato, o exercício da liberdade de expressão, uma vez que as pessoas, quando se sentem vigiadas, tendem a não dizer tudo aquilo que pensam. É um verdadeiro absurdo e a prorrogação disso talvez seja o aspecto mais reprovável da gestão do Obama.
Há outros aspectos da relação dos norte-americanos com o humor que eu gostaria de abordar e que podem deixar mais claro o que eu quis dizer aqui, mas acho que ficarão para o próximo post dessa série - ou para algum post sobre política...rsrsrs!
Abraços!
Na realidade desde do princípio me apeguei a um ponto que não era o ponto da questão... rsrsrs... Ou seja humor, mas é que em relação a isso nós concordamos então não haveria nenhum comentário a mais.
Contudo, a questão de Democracia pode ser medida objetivamente e subjetivamente como quase tudo em ciências sociais...
Em relação a questão democrática das pessoas terem ou não noção das consequências jurídicas, isto também não foi minha intenção utilizar, acho que utilizei mais noções de Teoria Geral do Estado...
Quanto aos Direitos Humanos, acho que não há equivoco, mas eles se mesclam sim ao Princípio Democrático de um Estado e por isso citei alguns exemplos. São questões que afloram com a Democracia sim, e são garantidas por esta e os Direitos Humanos se mesclam de forma indissociável, não está errado. O direito a vida, o direito a intimidade, o direito a liberdade, o direito a um advogado, um direito a tempo razoável de duração da pena, o direito a alimentação, o direito a educação, o direito a saúde, o direito o meio ambiente equilibrado, são direitos sociais embasados por um Estado Democrático de Direito e advém, da forma como pensamos hoje, de um Pacto Democrático, que assegura inclusive os Direitos Humanos de forma geral. Um sem o outro não existe de forma ampla.
Por exemplo, muitos americanos concordariam com Guantánamo, e como é possível uma prisão dessas forma em uma Democracia com os Princípios humanizadores e democráticos.
Mas enfim, entendo que quando você quis dizer democracia quis se referir mais especificamente na Liberdade de Expressão.
Então, temos que lidar com uma questão de dimensão pessoal (povo) do Estado a nível individual. Neste ponto não posso discordar de algo ululante, já que como diz o adágio, "contra fatos, não há argumentos" e como eu vim dizendo o americano médio (se é que isso existe) tem que ser mais político e mais dado a liberdade de expressão, não por saber realmente o que o cerca necessariamente, mas por simplesmente estar inserido em um cultura que assim o determina.
E também com certeza, tem mais gente lá que saiba por qual razão tem este direito de expressão e quais suas implicações que aqui se tem. Pelo simples fato cultural e pelo simples fato de maior educação.
Mas por ser justamente cultural, não creio que a questão especifica do humor vá mudar muito no Brasil. Creio que com mais educação isso se altere um pouco, mas não creio que o cerne vá alterar, ou seja, fazer programas ácidos como o Family Guy ou o South Park, estão longe de ocorrer aqui.
Gostaria que pudéssemos continuar evoluindo e sair da babaquisação dos Danos Morais e de vedações de humor, mas creio que por ser uma cultura nacional bem arraigada demore muitas e muitas décadas pra se alterar um pouquinho.
Mas este é o ponto em que concordamos, e na realidade acho que só discordamos quanto ao levantamento que em algumas outras liberdades o Brasil, pelo menos em tese, estão mais asseguradas aqui como o direito a intimidade e outras que estão mais asseguradas em qualquer outro lugar.
Mas esta discussão se estenderia por "quilômetros" sem solução...
Espero não estar me apresentando "cordial" demais, de qualquer forma, meu humor obscuro é o melhor de todos... Alguém que se diverte com amendoim queimado é alguém que vê realmente a essência de tudo, as nuances da própria existência... kkkk um dia você chega lá Marcelo (exemplo de piada restrita a grupos bem específicos, rsrsrs)!!!
Sei lá, eu acho que a questão do humor ainda pode melhorar aqui, embora não veja isso como algo possível imediatamente.
Embora eu ache que mesmo que tivéssemos o mesmo nível educacional dos EUA talvez teríamos uma preocupação menor com democracia, isso pode ser uma coisa boa..a alienação democrática talvez seja melhor que a ignorância dos príncípios democráticos, mas pensamento crítico sempre será melhor...acho que as sociais democracias européias fizeram papel muito melhor sem ter a idolatria americana pela Democracia.
É importante fazer também a crítica de que os EUA são, entre os países desenvolvidos, um dos mais defasados do ponto de vista de desempenho em provas internacionais de ciências, por exemplo.
Enfim, parece ser mais importante atingir a dimensão humanista, ainda que sem a demagogia boba da democracia absoluta.
Direitos humanos, em sua plenitude, já trazem a democracia embutida.
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