quarta-feira, 25 de março de 2009

Ironia e esperança

Aqui excertos do texto de um jornalista americano publicado na Piauí de fevereiro. O autor fala de maneira geral de sua preocupação não com o governo Obama, mas com o tipo de reação a ele que os americanos viriam demonstrando...

Os grifos lá no meio do texto são meus.

OBAMA NO PAÍS DA IRONIA PERDIDA
Joan Didion

Durante as eleições primárias para a escolha dos candidatos à presidência, alguns de nós americanos começamos a sentir um desconforto quase clandestino com o rumo que as coisas estavam tomando. O desconforto era difícil de ser expresso porque parecia desmentir tudo o que sempre proclamamos ser oficialmente o nosso desejo.

Afinal, estava se concretizando precisamente o que almejáramos para os Estados Unidos.

(...)

No entanto, alguma coisa incomodava.

E o que incomodava nada tinha a ver com o candidato em si.

Tinha a ver, na verdade, com a reação que ele provocava.

(...)
O caderno Estilo, do New York Times, no domingo seguinte à eleição, informava que a camiseta da campanha de Barack Obama "faz a ironia parecer algo ultrapassado".

A ironia estava fora de moda.

A ingenuidade, traduzida como "esperança", era a nova tendência dominante.

A inocência, mesmo quando aparentava ser ignorância, adquiria um novo valor.

E a adesão a uma causa já podia se expressar por meio do consumismo. Perdi a conta do número de fotos que recebi por e-mail mostrando bebês com roupas e adereços de apoio a Obama.

Também perdi a conta do número de vezes que ouvi as palavras "transformação" e "inspiração". Ou de quantas vezes ouvi os anos 60 serem evocados por quem mal sabia que o motor da revolução social daquela época não veio de bebês vestindo camisetas charmosas, mas da resistência à guerra. As nossas guerras de hoje, travadas sem a pressão do serviço militar obrigatório, ainda não conheceram uma resistência de verdade. Começou a ficar cada vez mais claro que caminhávamos para um novo contato imediato com o idealismo militante - ou seja, a conveniente, mas perigosa, redefinição de questões políticas ou pragmáticas como sendo questões morais. Digo "conveniente" porque esse tipo de redefinição torna as questões mais fáceis de serem equacionadas, e a qualifico de "perigosa" porque a nação não deveria se dar ao luxo de se contentar com respostas fáceis.

(...)

Um surto de pensamento mágico tomou conta do país. Ouvi em um canal de televisão a constatação empolgada de que os Estados Unidos, agora, estavam sendo festejados por todas as nações. "Todos querem estar do nosso lado", congratulou-se outro comentarista. Imaginar que todos os habitantes do planeta possam querer estar do nosso lado não me parece tão diferente de ter imaginado, no início da guerra contra o Iraque, que pudéssemos ser recebidos com flores quando invadíssemos Bagdá. Já que os Estados Unidos escolheram se transformar numa nação desprovida de ironia, esta talvez não seja a maneira preferível de encarar as coisas.

Texto completo: http://www.revistapiaui.com.br/edicao_29/artigo_892/Obama_no_pais_da_ironia_perdida.aspx


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