terça-feira, 25 de novembro de 2008

Netherlands' Neverlands

ou As terras-do-nunca da Holanda

Desde minha graduação em arquitetura, tenho vontade de conhecer a Holanda.
Claro, deve ser interessante ver vacas e moinhos e diques, bem como andar por lugares onde o consumo de drogas é liberado. Mas não é isso (viu, apressadinhos?) que me fez querer conhecer a dita cuja.

Antes de qualquer coisa, é preciso dizer que minha Holanda é imaginária. A imagem que eu tenho da Holanda é a de livros e revistas de arquitetura. Me perdoem os que conhecem a Holanda real, mas vou falar da minha Holanda fictícia.
E o que me fascina no que vejo da minha "Neverlands" de livros é, principalmente, a relação peculiar que a Holanda tem com a artificialidade.

http://www.cse.polyu.edu.hk/~cecspoon/lwbt/Case_Studies/Wozoco/wm_mvrdv07.JPG
(aqui acima, temos os apartamentos de Wozoco, em Amsterdam, de autoria do escritório MVRDV)

Obviamente, um país com a vive há séculos reconfigurando sua própria paisagem sob perigo de simplesmente sumir do mapa (em virtude da imprudente situação de estar abaixo do nível do mar) teria forçosamente de desenvolver uma relação fundamentalmente diferente da nossa com as idéias de "natureza".

Minha questão é que no Brasil-grande, Brasil-imensidão-selvagem, natureza e paisagem se confundem em conceito. Pra terem uma idéia, somos talvez um dos únicos países em que "paisagismo", na concepção da população em geral, se confude automaticamente com escolha e locação de plantas (claro, esta é uma questão mais complicada, ligada à influência de Burle Marx; mas não é absurdo considerá-la indissociável da nossa relação com uma natureza imensa, única e ainda por ser descoberta)

Na Holanda, como em vários locais da Europa, a paisagem é artificial. Em última instância, paisagem é arquitetura.

Estou sendo expremamente simplificador aqui, mas aposto que há relação entre isso e o fato desse país tão pequeno ter gerado tantos escritórios de arquitetura e design relevantes na contemporaneidade, os quais encontram-se na linha de propostas que não se enquadram muito na complicada querela típica da cultura ocidental -- a tensão entre "natural" e "artificial".

Claro, no Brasil falamos de um país rico de recursos naturais semi-infinitos, com um histórico de concentração de recursos, trabalho escravo e educação católico-sincrética. A Holanda é país rico em dinheiro e tecnologia, antigo, pequeno e povoado de calvinistas e puritanos... Ou seja, temos aí também uma relação fundamentalmente diferente da nossa com a própria idéia de trabalho e de transformação do mundo pelo trabalho... mas não me interessa aprofundar a questão aqui. You've got the picture.

Algo que me atraiu em vários exemplos arquitetônicos da Holanda foi o jeito de fundir paisagem e arquitetura através do trabalho de superfícies contínuas. Um exemplo bem cristalino desse princípio está na Delft Technical University Library, feita pelo escritório Mecanoo.

http://image.blog.livedoor.jp/modernarchitecture/imgs/7/8/78ec2b00.jpg
mecanoo: LIBRARY DELFT UNIVERSITY OF TECHNOLOGY: foto
O que me impressionou foi naturalidade com que a cobertura do edifício torna-se parque, local gramado de lazer, em continuidade com a topografia (construída) do local.









http://www.mecanoo.com/projecten/A126/Img0015.jpg

Outro exemplo de continuidade "topológica" que gosto muito são o Kunsthall de Rotterdam e o Educatorium de Ultrech e a Embaixada da Holanda em Berlim (logo abaixo), todos do Office for Metropolitan Architecture (OMA), capitaneado pelo arquiteto-estrela Rem Koolhaas. Não se tratam de os edifícios, em continuidade explícita com a paisagem externa, como o do Mecanoo; mas sim edifícios que, externamente separados do mundo, internamente usam rampas e inclinações das lajes para constituir uma continuidade interna de trajeto e espaço.

Image hosted by Photobucket.com


Agora, esse post e tudo o que falei até aqui foi motivado por uma notícia específica: a Holanda havia lançado um concurso para uma moeda comemorativa de 5 Euros. O tema era... Arquitetura.
Isso deixou claro para mim o quanto os holandeses devem reconhecer o valor da arquitetura para a construção de seu renome internacional, de sua identidade e de sua própria realidade construída.

A proposta vencedora, por outro lado, é outra mostra do quanto eles são fodões no design:





A explicação do processo de composição dessa moeda -- e o porque de cada elemento ser e estar onde está -- está no blog do autor. Mas alguns pontos mais interessantes a adiantar:

- As palavras em espiral na 1ª face da moeda são os nomes dos arquitetos holandeses, por ordem de fama (medida por procuras na internet);
- a face formada por eles é da Rainha da Holanda.
- O que vemos na 2ª face é um "skyline" formado pelos mais famosos LIVROS de arquitetura holandeses.
- o vazio entre os livros tem a forma do país;
- os pássaros voando representam cada um uma das províncias da Holanda...

(Essa obra fantástica me foi indicada por meu amigo e colega de trabalho Fabiano, visitante contumaz do site de design Core 77.)


Um dos livros presentes na moeda é S,M,L,XL (Small, Medium, Large, Extra large), de Rem Koolhaas (o arquiteto-tema) e Bruce Mau (o designer do livro). O livro, um catatau belo, inteligente, debochado e quase multimediático que pode ser medido em quilos, está entre os responsáveis pela minha decisão por pesquisar e analisar o design de livros -- e foi o início de meu interesse em arquitetos holandeses.



Enfim, a Holanda que quero conhecer é o lugar fictício de onde vieram autores de edificações interessantíssimas, e livros de arquitetura fabulosos por sua própria linguagem.

Epílogo:
Pra honrar o nosso "centenário" e enriquecer a questão que coloquei no início -- a relação humana com a artificialidade construída pela humanidade -- é necessário falar que os japoneses também me parecem há muito um povo com uma relação completamente diversa da nossa (brasileiro-americana) em relação à natureza e à artificialidade.
(Não por acaso o Japão, como a Holanda, é um país de supertecnologia, ideologia do trabalho duro a todo custo e de tremendos problemas de espaço)

Foi justamente o cruzamento Holanda/Japão que me colocou toda a questão de fundo que abordei neste post. Há vários anos atrás,li um diálogo em S, M, L, XL que me foi muito revelador, que me colocou mesmo o problema da artificialidade. O diálogo por cartas, curto e aforístico, era entre o autor do livro, Koolhaas, e o arquiteto japonês Toyo Ito. (cito aqui de memória, ok?)

ArchWeek Image
(aqui acima o fantástica Mediateca de Sendai de Ito, só pra referência...)


http://www.bampfa.berkeley.edu/images/general/newbuilding_Toyo-Ito.jpg
Toyo Ito e Rem Koolhaas

Em uma carta, Ito elogiava o holandês comparando sua arquitetura à eficiência de uma máquina de lançar bolas de basebol (!).
Koolhaas respondeu agradecendo sua comparação, e ressaltando: só vindo de um japonês isso não seria um insulto.
E completa: mas, no ocidente, é perigoso admitir que você não tem uma alma.






... e para fechar com um pouco de humor: seria Koolhaas um fã ardoroso de Star Wars?
Talvez na Tunísia ou em Portugal... e, obviamente, em Dubai. (claro que Dubai tinha que estar no meio)
Veja e tire suas conclusões... cortesia do bom Life Without buildings.


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4 comentários:

Emerson Gois disse...

Primeira vez que passo nesse blog.

Gostei muito de tudo que li nesse post, não sou da área de arquitetura, mal consigo desenhar uma linha reta, mas me sinto um pouco mais 'viajado' depois disso.

PAX

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Faantástico esse post, Gabriel!

A análise da paisagem urbana certamente diz muito...e interessante a gente nunca ter conversado sobre isso, creio que "paisagem" seja uma das maiores confluências entre a geografia e a arquitetura.

Pra gente, paisagem pode ser arquitetura, arquitetura é também paisagem, mas mais do que isso, é sinal de território...mas fica pra outra hora, eu to babando de sono.

Gabriel G; disse...

Valeu, Gois. Volte mais!

Edson Chia disse...

sou estudante de arquitetura tb .. obrigado por levantar essa questao da relacao dos povos com a arquitetura .. ha tempos que me intriga essa questao...

acho que nesses dois paises .. a arquitetura como marco("topografia" artificial) surgiu da necessidade humana de criar um "espaco" desejavel.. enquanto aqui no brasil .. o desejavel esta fora .. esta na natureza que ainda eh menos artificial que as de lah..

e essa resposta do Koolhaas ao Ito ..para mim levantou uma observacao interessante..por tempos eu suspeitava que as arquiteturas famosas do japao parece faltar alma..e eu acho que o Koolhaas pensou nisso quando fez a resposta..