domingo, 28 de fevereiro de 2010

Dilma x Serra

Foram publicados hoje os dados da última pesquisa Datafolha sobre a sucessão presidencial.  A principal novidade é o empate técnico da candidata petista com o governador Sérrebro, a Dilma de FHC.


Para muitos analistas, o empate aconteceu muito antes do que se previa, e isso sinaliza que a estratégia de Lula tem sido bem sucedida.  Outro dado interessante é a estagnação de Ciro e Marina, quando se esperava pelo menos uma leve subida destes candidatos, já que ambos se utilizaram dos 10 minutos de TV de seus partidos.

O que isso indica, em nível nacional, é que a subida de 5 pontos de Dilma estão relacionados à queda de Serra, na mesma proporção.  Pesa também o fato de que a rejeição à Serra é a maior e a que mais subiu.  Ainda estamos longe das eleições e a rejeição de todos os candidatos deve subir bastante ainda.

A melhor notícia para os petistas foi o fato de Dilma já ter empatado com Serra, apesar de ainda ser menos conhecida pelo eleitorado.  Isso indica que ainda teria bastante espaço para crescimento - ao menos mais que Serra.  Além disso, na pesquisa espontânea (aquela na qual os nomes dos candidatos não são apresentados aos entrevistados), Dilma agora empata com Lula, com 10%.  Serra tem 7%, e 4% responderam que votarão "no candidato do Lula".

 
O argumento tucano de que "Dilma não é Lula" vai naufragando aos poucos.  Apenas 22% dos entrevistados respondeu que "não votaria no candidato de Lula", contra 42% que dizem ue votariam e 26% dos que dizem que talvez votariam.  Lula tem conseguido sim transferir o seu eleitorado para Dilma, e a campanha, ao menos oficialmente, ainda nem começou.  Eu não imaginava que pudesse ser diferente, uma vez que Lula se mantém como o presidente mais popular da história recente do país (ao menos desde que começaram os levantamentos deste tipo).


Me parece que Lula conseguirá sim transferir ainda mais votos para Dilma.  Ainda não saiu a pesquisa de avaliação do governo, mas os números sempre são meio parecidos.  Considero difícil que a população vá optar por uma coisa que proponha ser muito diferente.

Clóvis Rossi fez uma análise interessante hoje: Serra (ou qualquer outro) dificilmente se elege falando mal  do atual governo, porque dificilmente a população, assistindo os seus DVDs vai engolir isso.  Não parece razoável que agora, quando pela primeira vez temos um presidente bem avaliado em fim de governo, o eleitorado esteja propenso a optar por uma guinada, seja ela qual for.  Serra precisaria mostrar que, mantendo as mesmas linhas do atual governo, poderia ser "ainda melhor".  E isso não parece fácil,  pra quem até então vinha dizendo que o governo Lula é uma continuação do governo FHC, que foi tão mal em tudo isso que "inventaram".  Além disso, pesa contra o Serra o seu governo no estado de São Paulo onde tem enfiado, com alguma frequência, as patas traseiras  pelas dianteiras - sem lembrar do fato de ter deixado de presente, para a cidade de São Paulo, um tal de Kassab.

Resumo da ópera: é uma eleição MUITO difícil para a oposição.  Pela primeira vez será impossível utilizar o argumento de que "o candidato petista é burro e analfabeto".  O argumento da falta de experiência também não cola, já que Dilma é mais experiente, em termos administrativos, que o próprio Lula quando assumiu.  E é bom lembrar que Serra, até assumir a prefeitura de São Paulo, nunca tinha exercido qualquer cargo executivo.  Era exatamente o que a Dilma é: um ministro de FHC.

Por fim, com a estagnação de Ciro Gomes, se torna mais provável sua candidatura ao governo de São Paulo (a não ser que aconteça o mais improvável e ele decida ser vice numa chapa encabeçada por Aécio Neves, mencionada anteontem).  E a eleição fica do jeito que Lula queria: polarizada entre o seu governo e o de FHC.  Dá pra imaginar o resultado disso?



Se eu fosse Serra, ficava no governo de São Paulo.  Se fosse Aécio, disputava o senado por Minas mesmo.  E se fosse o Sérgio Guerra, mandava o Alckmin pra queimar a cara de novo.  Ou apoiava a Marina, sei lá...essa eles não levam.




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Lula x Presidentes da FIESP

 É política, estúpido!

Mas muito interessante ver como a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) veio amenizando suas declarações a respeito de Lula, desde a célebre frase de Mário Amato, em 1989, até a declaração de anteontem do atual presidente e pré-candidato ao governo de São Paulo, Paulo Skaf, do PSB(!!!!!!!).

Mário Amato, 1989:

"Se Lula for eleito, 800 mil empresários deixarão o país."

Carlos Eduardo Moreira Ferreira, 1994:

"O país corre o risco de eleger um presidente que condenará o Brasil ao atraso."

Horácio Lafer Piva, 2002:

''É preciso compreender que esse é o momento de união nacional. Os partidos que perderam e vão para a oposição precisam compreender que é o momento de dar as mãos e construir. É preciso dar um tempo para o novo governo''

Paulo Skaf, 2010: 

"Se o presidente Lula estiver no nosso palanque, vai me honrar muito." 


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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Angeli variando




Tá, lembra "lovestorias" e outras coisas do gênero.  Mas a primeira eu achei "muito bonita"pro Angeli.

Já o título da terceira "Natalia vive às turras", é 100% humor Angeli.  Como o desfecho da tirinha.


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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Campanha: Maringá no Guinness

Certa vez, perguntei a um amigo argentino qual era a caracteristica brasileira que mais incomodava os hermanos. Ele não titubeou na resposta: a mania de grandeza.

Aqui no Paraná, por exemplo, todos sabemos que o Canyon de Guartelá é o sexto maior do mundo, que o país é o quinto em extensão territorial e que a Catedral de Maringá é o décimo maior monumento do mundo em altura. Eu sempre duvidei desse dado, e numa consulta rápida à wikipedia, constatei que a catedral é somente a 25a. igreja mais alta do mundo. A lista está aqui.

Essa caracteristica também foi notada por um amigo sueco, quando eu contava que Maringá era, supostamente, a terceira cidade mais arborizada do país. A frase dele é impagável: "Wow, brazilian really know their stats" (Nossa, os brasileiros realmente conhecem suas estatísticas).

De fato, quando não se é "o maior" ou o "segundo maior", não tem muito sentido ficar se gabando. Volto ao caso do Guartelá: qual é a importância de termos o sexto maior canyon do mundo? Especialmente quando o segundo maior canyon do mundo é infinitamente menor que o Grand Canyon.

Pensando nisso, pensei em uma maneira de promover a cidade de Maringá: ao invés de listarmos a catedral como a 25a. igreja mais alta do mundo (motivo de gozação dos habitantes de Ulm, na Alemanha - acima, à esquerda), poderíamos promover Maringá como a cidade que tem o MAIOR CONE PERFEITO DE CONCRETO DO MUNDO. Digo cone perfeito porque existem outras estruturas relativamente cônicas, como o Burj Khalifa Bin Zayid, o arranha-céu mais alto do mundo, com 828 metros de altura (aí do lado). Já cone perfeito, sou capaz de apostar meu dedinho que a nossa catedral seja a campeã.

Esse tipo de coisa é comum nos Estados Unidos, onde algumas cidadezinhas fazem fama por ser o "lar da maior qualquer coisa" do mundo, como a cidade de Jackson, Ohio, onde foi produzida a maior abóbora do mundo, com assombrosos 782 quilos!!

Vamos fazer do nosso cone um motivo de orgulho para a cidade. Cansei de ter a 25a. igreja.


P.S. Essa é a segunda chance de Maringá entrar no Guinness. A primeira já se encontra em tentativa. Para saber mais, clique aqui.

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Arrá!

Primeiro, minhas desculpas aos amigos maçons. Sei que boa parte deles são boas pessoas, que acreditam estar ajudando a humanidade (e seus pares). Outra parte, está lá por conta somente de seus interesses pessoais, buscando alavancar as próprias carreiras. E por fim, há os que além das próprias carreiras, agem em nome do domínio social, político e econômico do grupo. São com esses, principalmente, com quem tenho alguns problemas.

Mas que fique claro: não acredito, nem por um segundo, que esses caras se reúnam para discutir como proceder para melhorar o mundo. Podem até fazê-lo, eventualmente, mas não dá pra acreditar que numa reunião dos caras mais influentes da sociedade, vão ficar falando de futebol, de misticismo, superstições bobas de Deus ou do Diabo. Por mais que insistam. E também não acho que esses que me falam disso, se de fato participam da maçonaria, possam negar que o principal objetivo deles é dominação política e econômica. Não tentem mais, eu não sou tão bobo assim.

Ontem, vi uma chamadinha MUITO discreta em algum telejormal da GloboNews, mas estava morrendo de sono e não prestei muita atenção. Hoje pela manhã, porém, li no site do Estadão a seguinte notícia:


Magistrados são punidos por desvio de R$ 1,4 mi no MT


Resumindo o caso:


Dez juízes no estado do Mato Grosso foram condenados, em primeira instância, à aposentadoria compulsória por conta de um desvio de verba da ordem de 1,4 milhões de reais. Esse dinheiro foi destinado à uma cooperativa de crédito (SICOOB), vinculada à "Loja Maçônica Grande Oriente do Estado de Mato Grosso".

Os juízes recebiam os valores, que cheagavam a 1,2 milhões de reais, a título de devoluções de imposto, diretamente em suas contas bancárias, sem contracheque, e repassavam então à tal cooperativa de crédito.

Entre os 10 juízes, haviam 3 desembargadores, incluindo aí um ex-presidente do TJ-MT, sr. José Ferreira Leite. Dentre os 7 juízes "menores", ou seja, de primeira instância, estava o filho do ex-presidente, o sr. Marcos Aurélio dos Reis Ferreira. O detalhe é que o desembargador era o Grão-Mestre da loja maçônica.


Discutindo o caso e suas implicações:


Não me incomoda a existência de grupos de qualquer tipo, de gente doida ou não. Também não me incomoda que determinados grupos de pessoas queiram se ajudar, realizando "ações entre amigos", ou que queiram ajudar determinadas pessoas ou grupos sociais menos favorecidos. Dessa forma, a maçonaria não é um assunto importante pra mim, acho que dificilmente virei a depender desses caras.

O problema é que, esse tipo de "auxílio" teria que ser restrito ao setor privado. Por exemplo, digamos que eu fosse maçon e dono de uma grande empresa, como o grupo Pão de açúcar. Não há nenhum problema em contratar o filho de um "irmão" para gerenciar minhas empresas, ainda que ele não fosse a pessoa mais qualificada para fazê-lo. Ou mesmo fechar contrato com um fornecedor que pertencesse a um amigo, ainda que pagando um preço mais alto. O problema está em se utilizar da coisa pública para favorecer os seus pares.

Já ouvi alguns relatos de amigos maçons ou de filhos de maçons sobre como se dá a "ajuda" da maçonaria para os necessitados. Aqui vai um caso real, relatado por um dono de zona, muito frequentada por membros da maçonaria:

Um sujeito que frequentava o bordel, adoeceu e precisava de um transplante de rins. O cara entrou na lista de espera de doação e estava se tratando com hemodiálise, quando sua situação piorou muito. O caso foi comentado e um dos maçons presentes, se propôs a ajudar.

Não se sabe direito como agiram, mas depois da intervenção da maçonaria, o transplante foi marcado com muita rapidez. O sujeito se recuperou, e não sabe direito quem o ajudou. Essa é uma das características da ordem: eles não gostam de "se gabar" do que fazem.

Bom...

Fico feliz pela recuperação do sujeito, mas e as pessoas que foram passadas pra trás na fila de espera por um transplante? Pelo que me consta, a ordem das pessoas na lista leva em consideração, além do tempo de espera, a gravidade do caso. Provavelmente alguém que precisava mais do transplante levou mais tempo para receber seu órgão - aliás, toda a fila foi passada pra trás, é possível que alguém tenha morrido esperando. Se eu fosse responsável por uma ajuda desse tipo, talvez também preferisse o anonimato.

Os dois casos citados, mostram o quão perversa é esse tipo de ação de favorecimento, e também que esses caras atuam em todos os níveis: do transplante de um coitado qualquer que conheceram na zona, ao desvio de dinheiro público em um tribunal de justiça.

Converse com qualquer maçon a respeito do seguinte assunto: em caso de igualdade de condições, pode acontecer o favorecimento de um confrade da ordem, ou de pessoa indicada por maçon?

A resposta é afirmativa.

Exemplificando: em um concurso público, caso aconteça o empate de dois candidatos e caiba a um maçon a decisão de escolha, o escolhido será OBRIGATORIAMENTE aquela pessoa que foi indicada ou que tenha vínculo com a ordem. Claro que há inúmeros critérios de desempate, mas eu estou colocando a hipótese de empate geral, inclusive na idade. O critério justo seria, sei lá, um cara ou coroa.

O problema, é que esses empates raramente ocorrem. Num concurso para a magistratura, por exemplo, a última etapa é a prova oral. Alguém duvida que ocorra algum tipo de favorecimento?

Pra não parecer teoria da conspiração, vamos pensar em alguns fatos:

Na Inglaterra, ainda sob o governo de Tony Blair, em projeto dirigido pelo próprio, obrigou os juízes que pertençam à maçonaria ou qualquer outra ordem secreta a declarar dua filiação. Não acredito que todos tenham feito, mas em 2006 o número de juízes maçons na Inglaterra era de 1.600, cerca de 5% do total de magistrados do país. Há, na Inglaterra, 360 mil maçons (!!!). Isso representa 0,7% da população inglesa.

Esses dados constam de uma reportagem da Revista Sábado, que é uma publicação semanal portuguesa, a segunda maior do país, salvo engano. É como a Época por aqui. Nesta reportagem, repórteres entrevistaram diversos maçons, que relatam desde detalhes dos rituais até conchavos políticos. Lá pelas tantas, um tal Abel Pinheiro, irmão de um ex-ministro de estado português declara que "a maçonaria é o verdadeiro poder em Portugal". Não duvido.

Transpondo esses dados para o Brasil, creio que por aqui também exista uma proporção muito grande de juízes maçons, bem como uma distorção na maioria dos cargos políticos. Aliás, segundo um outro conhecido meu, também maçon, eles estão por toda a parte. Ele por exemplo, é músico, e relativamente influente nessa área. Certamente estão ocupando altos postos nas universidades, clubes sociais e em qualquer lugar onde possam obter favorecimento e influência que beneficie os "irmãos".

Aqui no Paraná, por exemplo, tanto Álvaro Dias quanto Roberto Requião fazem parte da Ordem. Vinculados a eles, certamente uma infinidade de estrelas menores, todas conseguindo, recebendo e concedendo "auxílios".

O caso do MT não me espanta. O diferente é que dessa vez deve ter acontecido todo um processo de investigação que, por sorte, não passou pela mão de nenhum deles. O fato de pai e filho serem juízes, sob essa ótica, também não me assusta. Não que seja impossível que pai e filho consigam passar em um concurso tão complicado, mas certamente o fato de ser maçon não é indicativo de inteligência ou dedicação aos estudos. E levanta suspeitas de treta...

Espero que, se comprovado o caso, todos os envolvidos percam o direito às suas gordas aposentadorias.




Assunto paralelo:

Não são tão raros assim, os casos de juízes envolvidos em corrupção no Brasil. Muita gente ainda lembra do caso do Lalau (pou não?). O fato é, que o argumento de que altos salários tornam as pessoas relativamente imunes a suborno não se sustenta. Claro que devem ser bem pagos, mas creio que um moleque de 25 anos que começa num salário de uns 13 mil...sei lá. Se o inicial fosse de uns 8 mil reais, a carreira já atrairia os "melhores" dos cursos de direito, sem prejuízo de qualidade nos quadros da magistratura. Digo o mesmo para o máximo...R$26 mil reais mensais é dinheiro de gente muito rica. Não entendo que o Estado deva enriquecer seus funcionários, pelo menos enquanto a população em geral se mantiver tão empobrecida assim.

Mas só pra fechar: altos salários não são garantia de seriedade. Já o contrário, salários muito baixos para outros profissionais, tão necessários ou mais que juízes, são praticamente garantia de péssima qualidade nos serviços prestados (educação e segurança pública, pra ficar só em dois).


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um totalitarismo satisfatório


O "digital" segundo Vilém Flusser (grifos meus):
(...) pode-se perguntar o que acontece, em termos existenciais, quando pressiono uma tecla. O que ocorre quando pressiono uma tecla na máquina de escrever, no piano, no aparelho de televisão, no telefone. (...) Eu escolho uma tecla, decido-me por uma tecla. (...) As pontas dos dedos são órgãos de uma escolha, de uma decisão. O homem emancipa-se do trabalho para poder escolher e decidir.

(...) Essa liberdade das pontas dos dedos, sem mãos, é no entanto inquietante. Se coloco o revólver contra minhas têmporas e aperto o gatilho, é porque decidi pôr termo à minha própria vida. Essa é aparentemente a maior liberdade possível: ao pressionar o gatilho, posso me libertar de todas as situações de opressão. Mas, na realidade, ao pressioná-lo, o que faço é desencadear um processo que já estava programado em meu revólver. Minha decisão não foi assim tão livre, já que me decidi dentro dos limites do programa do revólver. E, igualmente, do programa da máquina de escrever, do programa do piano, do programa da televisão, do programa do telefone, do programa da máquina fotográfica. A liberdade de decisão de pressionar uma tecla com a ponta do dedo mostra-se como uma liberdade programada, como uma escolha de possibilidades prescritas.

(...) é como se a sociedade do futuro, imaterial, se dividisse em duas classes: a dos programadores e a dos programados. (...) Mas essa visão parece ser muito otimista. Pois o que os programadores fazem quando pressionam as teclas para jogar com símbolos e produzir informações é o mesmo movimento de dedos feitos pelos programados. Eles também tomam decisões dentro de um programa, que poderíamos chamar de “metaprograma” (...). Não: a sociedade do futuro, imaterial, será uma sociedade sem classes, uma sociedade de programados programadores. Essa é portanto a liberdade de decisão que nos é aberta pela emancipação do trabalho. Totalitarismo programado.

Mas trata-se certamente de um totalitarismo extremamente satisfatório, pois os programas são cada vez melhores. Ou seja, eles contêm uma quantidade astronômica de possibilidades de escolha que ultrapassa a capacidade de decisão do homem. De modo que, quando estou diante de uma decisão, pressionando teclas, nunca me deparo com os limites do programa. São tão numerosas as teclas disponíveis que as pontas dos meus dedos jamais poderão tocá-las todas. Por isso tenho a impressão de ser totalmente livre nas decisões. O totalitarismo programador, se estiver algum dia consumado, nunca será identificado por aqueles que dele façam parte: será invisível para eles. Só se faz visível agora, em seu estado embrionário. Somos talvez a última geração que pode ver com clareza o que vem acontecendo por aqui.

Vilém Flusser, A não-coisa (2) , In FLUSSER, O Mundo codificado, 2007, pp.63-65.
Traduzido por Raquel Abi-Sâmara do original Das Unding, 2”, publicado em 1990.



Não lembro se já citei aqui; mas O Mundo codificado foi o livro mais interessante que li em 2008, e não me saiu da cabeça até agora. E olha que a maior parte dos ensaios do filósofo Tcheco naturalizado brasileiro foi escrita há mais de 20 anos (como o trecho acima, por exemplo).



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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Como criar alarde

"Calouros foram queimados em São Paulo"

"Estudantes são queimados em Universidade de São Paulo"

"Calouros são queimados durante um trote em São Paulo"

Qual é a primeira coisa que lhe passa pela cabeça ao ler uma manchete assim?

"Queimados como?"; "Quem queimou?"; "Alguém morreu?"; "Nossa, tão queimando gente na USP?"

Pois bem, essas frases foi exatamente o que ouvi nas chamadas do Bom Dia Brasil, o matinal da Globo.

Lógico que um tempo depois, a matéria em si explica o que aconteceu: alguns calouros da Fundação Universitária de Barretos foram atingidos por um líquido, que acreditam ser creolina, durante o trote desse ano. Os calouros atingidos tiveram queimaduras de primeiro grau.

A intenção aqui não é entrar no mérito da discussão - sou contra o trote violento - mas, questionar a "atitude jornalística" do jornal ao escrever as chamadas dessa forma. difícil ter sido erro, dada a insistência e repetição...não sei o que pretendiam, além de chamar a atenção para po trote violento, mas ficou muito acima do que de fato ocorreu.

Primeiro porque "estudantes queimados" é meio chocante de se escutar. Depois, porque "em Universidade de São Paulo" passa a impressão de que isso tivesse ocorrido na USP, a Universidade de São Paulo.

Não que interesse a ninguém, o fato não tem nada de mais (no sentido de que isso acontece todo ano), mas se alguém quiser assisitr, tá aqui o vídeo. A chamada à qual me referi não está aí, foi feita antes de um intervalo comercial.


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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

"País Civilizado II"

De uns anos pra cá os grandes eventos de moda brasileiros tem tido uma repercussão maior do que eu me lembrava que tivessem. São Paulo Fashion Week e Fashion Rio são coisas que não me interessam nem um pouco, a não ser pela discussão que trago aqui: a imposição da magreza das modelos, cada vez mais esqueléticas.

Eu não consigo entender direito o motivo pelo qual as mulheres tomadas como exemplo de beleza e elegância precisem ser TÃO magras assim. Talvez tenha alguma relação com o fato de que 99% dos estilistas não gostem muito de mulher - se fossem mais como o Rivellino (sei lá porque), provavelmente veríamos mulheres com curvas. O argumento de que "as roupas caem melhor em mulheres muito magras" não me convence nem um pouco. Tanto que, regra geral, as mulheres talvez até queiram se vestir como as top models, mas o corpo cobiçado está longe disso.

Bom, vamos ao motivo do post. Uma tal Coco Rocha, modelo canadense, top model nº 7 do mundo (sei lá por qual critério), deu algumas declarações sobre o assunto para o "The New York Times". Aparentemente críticas bastante pesadas à ditadura da magreza. O que a motivou a escrever foi o fato de que suas declarações foram editadas pelos diários e perderam bastante do seu sentido original, o que revoltou a modelo. O artigo dela é muito coerente, e impressionantemente bem escrito. Preconceito meu, mas lá pelas tantas eu descobri um fato que talvez explique. E pensei na hora: "ahhhh...ela é canadense".

Coco é essa moça linda aí do lado, que não me parece gorda. O link, pra quem quiser ler está aqui. Recomendo a leitura, é de fato bastante interessante, provavelmente depoimento mais interessante sobre o assunto que eu li. Cito alguns trechos:

"Sou uma modelo de 21 anos, 15 cm mais alta e dez manequins menor do que a mulher comum americana. Mesmo assim, em algum universo paralelo, sou considerada 'gorda'… Este foi o tema de uma grande discussão esta semana e a notícia que saiu por aí foi: 'Coco Rocha é muito gorda para as passarelas'."
(...)
"Claramente, todos nós vemos quão moralmente errado é um adulto convencer uma menina de 15 anos já magra de que ela, na verdade, está gorda demais. É indesculpável que um adulto exija que uma menina perca, de maneira não natural, um peso vital para que seu corpo continue funcionando corretamente. Como pode qualquer pessoa justificar uma estética que reduz uma mulher ou criança a uma magreza esquelética? Isso é arte? É claro que a estética da moda deve embelezar a forma humana, não destruí-la."
(...)
"Como uma mulher adulta, eu posso tomar decisões por mim mesma. Posso decidir que não vou permitir que eu seja degradada em um casting – marchar de calcinha e sutiã com um grupo de jovens garotas, ser apalpada, espetada e cutucada como gado. Eu consegui escapar desse tratamento, porque já tenho uma carreira consolidada como modelo e sou adulta... mas e as meninas novas e aspirantes a modelo?"

Interessante, não? Mais do que o que foi dito, me impressiona que as meninas que acabam virando modelos no Canadá tenham concluído o ciclo de ensino...pelo menos é o que sugere a clareza da redação da Coco.
Numa outra reportagem, relacionada a esse caso, um editor francês fala do trabalho que dá editar no photoshop as pernas e costelas das raquíticas modelos. Essas duas fotos a seguir são impressionantes, e foram tiradas na São Paulo Fashion Week:




Alguém acha que isso possa ser melhor do que isso aqui embaixo?

Só se for doente do pé, né?



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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Peter Griffin


Uma seleção dos meus momentos favoritos de um cara super família.


Falando italiano:




Consolando o amigo corno ao som de B52's...




Criando um clima com a ajuda de Men at Work.




Visitando o local dos atentados de 11 de Setembro...




... e com o pássaro surfista.




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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

"País civilizado"

Não me lembro de falar dedicar algum post a uma obra arquitetônica em particular aqui no blog, mas até pretendo fazê-lo de vez em quando.


No momento, estou dividido entre fazer um doutorado sobre histórias em quadrinhos ou fazer um doutorado sobre narratividade do espaço expositivo contemporâneo.

Nesse meio, não deixa de ser engraçado eu topar com isto: o Museu Hergé, na Bélgica, projetado pelo arquiteto-estrela francês Christian de Portzamparc.



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Hergé, criador do personagem Tintin, é meio que O quadrinhista Belga de todos os tempos, e foi de longe um dos mais famosos e influentes do mundo. Ainda assim, me é suepreendente um museu contemporâneo de 15 milhões de euros em Bruxelas, feito por um arquiteto-estrela, todo dedicado a um ÚNICO autor de quadrinhos.

Isso porque não temos qualquer paralelo possível com isso no Brasil. Pra se ter uma idéia, seria como se chamassem o Álvaro Siza (arquiteto-estrela português) pra para projetar não o nosso mundialmente famoso e recente Museu da Fundação Iberê Camargo, mas um, digamos, "Museu Ziraldo".

interior herge museum in belgium Hergé Museum in Belgium by Atelier Christian de Portzamparc

fullcolour interior design Hergé Museum in Belgium by Atelier Christian de Portzamparc

interior belgian building by atelier christian de portzamparc Hergé Museum in Belgium by Atelier Christian de Portzamparc

Aqui no Brasil, consigo imaginar pouco mais do que uma Gibiteca Henfil com ar condicionado.

Mas bem: Bruxelas já tinha o Centre Belge de la Bande Dessinée, então talvez a iniciativa não surpreenda tanto...

É muita civilização, mesmo. (e muito dinheiro)

Mais a respeito:

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Está valendo!

Estamos em fevereiro, mês em que se comemora de fato o carnaval no Brasil. O expediente está pra começar.

2010 tem tudo para ser um ano muito interessante do ponto de vista político: teremos as primeiras eleições depois de 8 anos do governo mais popular da história do Brasil., as primeiras sem o nome de Lula da minha vida. As eleições passadas foram capazes de gerar alguma emoção, por conta do frescor da crise do mensalão, e um medinho, ainda que pequeno, de que o sidekick de Serra fosse eleito. Agora o buraco é mais embaixo.

Lula deixará o governo com índices de aprovação superiores a 80% e recordes em todos os indicadores sociais e econômicos. Obviamente, tentará de todas as maneiras eleger a insossa Dilma como sua sucessora. Creio que a indicação de Dilma como candidata é o reflexo mais óbvio da crise de identidade que vive o PT.

De um lado, o governo tentará fazer desta uma eleição plebiscitária, comparando o atual governo com o anterior – campo de batalha no qual a vitória é praticamente certa. Serra, por outro lado, esperto que é, tenta com todas as forças fugir de tal armadilha, comparando a sua experiência com o currículo da ministra chefe da casa civil.

No campo da "simpatia" acredito que dá empate: tanto Serra quanto Dilma são tidos como antipáticos, frios e pouco carismáticos. Serra tenta comparar o seu currículo como administrador, contra a falta de experiência eleitoral de Dilma.

Acredito que ainda que consiga tal coisa – o que não será fácil devido ao apelo popular de Lula – Serra corre o risco de apostar em um fato que já se mostrou incapaz de derrotar o próprio Lula, quando este era também inexperiente. Fora isso, boa parte do que Serra tem para mostrar também faz parte de sua experiência como ministro da saúde, no governo FHC. Do ponto de vista administrativo, creio que o maior problema que o PSDB deverá enfrentar é a defesa de seus próprios governos.

O estado de São Paulo, maior e mais rico estado da federação, está sob a gestão tucana há quatro gestões. Nesse período, apesar do bom momento vivido pelo país nos últimos 7 anos e do fato de ter tido o governo federal como grande aliado na gestão FHC, o estado de São Paulo coleciona uma série de recordes negativos, dentre os quais se destacam os péssimos indicadores na área de educação.

O modelo de progressão continuada, já criticada em 2002, não tem-se mostrado um modelo capaz de fazer muito mais que a inclusão dos jovens mais carentes no sistema educacional (coisa que já era conquista do período tucano no governo federal). O estado tem se colocado nas piores posições nacionais em testes padronizados, tendo sido ultrapassado por estados com recursos infinitamente menores. Agora temos uma situação em que quase todo mundo está matriculado, e gente na oitava série que não é capaz de ler ou escrever.

O que é curioso nisso tudo é que, o tucanato, craque em atribuir o bom momento nacional à estabilidade econômica adquirida com o plano real, tem se mostrado incapaz de avançar no mesmo passo que o resto do país – repito – tendo o maior PIB do Brasil e 8 anos de governo federal a seu favor. Me parece incompetência mesmo: aparentemente os “vermelhos” do PT foram capazes de dançar ao som do capitalismo com muito mais eficiência que os neo-liberais.

Certamente não foi por falta de propaganda, levando-se em consideração que Serra tem batido, ano após ano, os recordes de gastos publicitários (não que o governo federal não faça a mesmo, mas parece estar sendo mais eficiente nisso também). Óbvio que o carisma de Lula é capaz de muita coisa, agora, é difícil pensar que crescimento econômico se consegue com sorrisos e churrasquinhos.

O engraçado de tudo isso, é que o maior nome do PSDB, o ex-presidente FHC começou, finalmente, a se sentir ofendido pela falta de moral dentro do próprio partido, que optou, nas duas últimas eleições, fugir da defesa de seu próprio governo. Serra em 2002 e Alckmin em 2006 buscaram se distanciar das “conquistas” do vaidoso FHC, e agora pagam o preço da hipocrisia a tentar tomar para si os méritos pelos programas de distrinuição de renda crescimento econômico.

Como resultado disso tudo, o ex-presidente escreveu, no último domingo, um artigo em que faz pesadas críticas ao atual governo – papel criticado mundo afora, onde geralmente ex-governantes buscam ser discretos em relação aos governos subsequentes. Mas tudo bem, é legítimo que FHC defenda seu legado em um momento que Lula e os fatos forçam a comparação entre os dois. Antes de um artigo coerente, FHC desferiu pauladas para todos os lados, em uma defesa rápida, impensada e em grande parte, mentirosa dos feitos de seu governo.

Mais engraçado ainda, é que essa defesa foi tão ridícula que nem a Folha de São Paulo engoliu. Publicou, no começo da semana um quadro intitulado “as meias verdades de FHC”. Acho que não são necessários comentários mais extensos aqui:


Assisti hoje às entrevistas de Lula e FHC ao programa "Hard Talk", da BBC de Londres, concedidas em 2007, início do segundo mandato de Lula. Fica clara a dor de cotovelo, do presidente mais qualificado intelectualmente que já tivemos, ao responder sobre os avanços conquistados por seu sucessor "ignorante". dentre outras coisas citadas, falou sobre a não-firmeza ética de Lula no episódio do mensalão, e quando perguntado sobre os escândalos em seu governo (e não se enganem, foram muitas denúncias arquivadas pelo então procurador geral da República, Geraldo Brindeiro, o engavetador geral da república, citado desta forma pelo entrevistador inglês).

Isso pra não mencionar o golpe constitucional da reeleição.

A coisa começou.


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Exercício (15)

 


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Só pra constar (III)


Fez muito barulho na época, um monte de gente falou, e nós do Wilbor perdemos o momento; então desistimos de comentar.
Mas agora que veio isto, é legal abrir um espacinho.

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(Impossível pra mim não lembrar do Jorge Caron -- irascível, iracundo e falecido professor --falando: "arquiteto não é importante. Lixeiro é importante.")

A diversão da coisa toda: o discurso-bordão moralista de Casoy, ainda que ancorado na classe média, sempre me pareceu ser justamente o tipo de coisa que fazia sucesso entre o pessoal de baixa renda, do famigerado "povão", que acompanhasse jornais.
E foi justamente com esse público que ele mais queimou o filme.

Seria muito bom se não fosse uma merda.


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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Liniers


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Child abuse: aconteceu no MT

Talvez seja muita frescura minha, ainda me animar em expor absurdos da política nacional...ultimamente poucas coisas parecem ser dignas de nota, não sei bem.

Por exemplo: ao que tudo indica, o escândalo no Distrito Federal tomará os rumos normais e conhecidos por todos nós: vai terminar em Fondue - porque não é possível que esses caras não tenham se enchido de pizza ainda.

Bem, até fiquei com vontade de comentar o caso, mesmo porque os governos do DF são impressionantemente ruins...basta lembrar que antes do Arruda o governador era o Joaquim Roriz, um dos governadores mais toscos e ignorantes que esse país já viu (no sentido estrito mesmo). Aliás, apontado pelo último datafolha como sendo o candidato mais forte ao governo nas próximas eleições. De qualquer forma, faltava algum elemento, "aquele algo a mais" que qualificasse o caso como "Wilbor Material". E eis que aparece a seguinte história:


Silval Barbosa: o político amigo da criançada



Nos conta a Folha de São Paulo, no último dia 4, que o vice governador do Mato Grosso, já escolhido por Blairo Maggi¹ para sucedê-lo no governo estadual, anda enviando cartas para crianças de até 5, 6 anos de idade. Claro que se trata de uma mala direta, mas as cartas são relativamente personalizadas. Alguns trechos de diferentes cartas:

"Meu nome é Silval Barbosa. Tô sabendo que você não me conhece bem. Por isso mesmo gostaria que me ouvisse um pouco. Fico feliz em saber que você está na escola, já sabe ler e começa a perceber as coisas importantes para a nossa cidade e para o nosso estado. Afinal, você já tem 6 anos"

Bom...essa aí vá lá...mas o cara não tem nada que estar escrevendo para as criancinhas. A próxima, endereçada à uma tal Edevanete:

"Me contaram que você, Edevanete, não tinha ainda recebido a informação de que o Governador Blairo me escolheu para ser o pré-candidato dele ao Governo do Estado"

Isso aí é propaganda eleitoral antecipada. Não pode. Essa outra foi para um garoto de 13 anos de idade:

"Sinval é um cara legal" (...) "peço licença para fazer o papel de paizão". (...) "Se quiser, diga aos outros: o Silval é meu amigo."

Opa! vai fazer papel de paizão pra puta que te pariu, Silval! Agora, a última (e pior), endereçada a uma menininha de 5 anos, chamada Nadine:

"Sei que escrevo para uma menininha que só tem 5 anos e nem sabe ler ainda. Mas diga para a mamãe que o Silval é legal".

WTF?!?!?!?!

Olha, não deve ter um crime específico para esse tipo de coisa (além do óbvio crime eleitoral de propaganda antecipada)...mas isso tá tão errado em tantos níveis diferentes.

Fiquei imaginando como eu me comportaria se estivesse no papel de pai, lendo uma carta dessas endereçadas a um filho meu:

"Agora, Dieguinho, fica bonzinho aí tá? O papai só vai até Cuiabá encher a fuça do vice-governador de porrada e volta já, viu?"



(1) Blairo Maggi, o governador do Mato Grosso é o maior sojicultor do mundo. Vive acusando o Inpe de aumentar propositalmente os índices de desmatamento em seu estado. Numa dessas vezes, afirmou que o desmatamento não poderia estar acelerando, pois ele mesmo teria sobrevoado o estado e constatado com seus próprios olhos que, na verdade, o desmatamento no MT diminuiu. Blairo Maggi é também dono dos caldos Maggi.


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sábado, 6 de fevereiro de 2010

o inferno somos nós


...Ó: além de comprido e tagarela, este post contém... spoilers!!



Graças à estratégia de ampliar o escopo de indicados, o Oscar deste ano tem entre suas "nominações" duas histórias de ficção científica envolvendo relações de alteridade entre humanos e alienígenas e nas quais o grande vilão é o trio trio ganância-arrogância-ignorância humanos, em uma de suas encarnações preferidas no cinema: o complexo capitalista/militar.

Ambos os filmes têm:
- alienígenas ágeis e perigosos;
- superarmas e cenas de ação;
- milicos cruéis e empresários inescrupulosos;
- um protagonista humano que se transforma em um alienígena;
- ........ e armaduras de batalha pra nerd nenhum botar defeito.

Apesar de tantos pontos em comum, porém, os dois filmes -- Avatar e Distrito 9 -- são tão absurdamente diferentes que acho que muitos nem sequer lembrariam de compará-los. (até porque acho que os públicos de ambos são consideravelmente diferentes).

Nenhum dos filmes é exatamente novidade em argumento ou tema. Avatar, exemplar da tradição fantasia-blockbuster, é um aglomerado de clichês com roupagens novas, hiperprodução deslumbrante e final feliz daqueles para os quais o termo "hollywoodiano" deve ter sido cunhado. O filme exibe a tenacidade técnica, a capacidade visual e a senilidade conceitual da carreira de um diretor top da indústria, James Cameron.

Distrito 9, por sua vez, é o "debut" de um diretor australiano no grande circuito, Neil Blomkamp, com locação não-mainstream (África do Sul) e nenhum ator famoso. O filme pode ser relacionado à linhagem mais "desagradável" do ciberpunk, da ficção científica "murro no estômago" (embora o filme não seja despido de alguma redenção final), e que compensa a inexperiência do diretor com efeitos muito bons e uma ambição considerável.

Nas duas histórias, o inferno não são os alienígenas, mas nós mesmos, "humanos". Mas onde Avatar é até otimista e moralizador, Distrito 9 é trágico mesmo.

Pocahontas reloaded

No que se refere à alteridade, em Avatar temos o popular mito do bom selvagem reloaded. As metáforas ecológicas de harmonia e pureza se adaptam à "era da informação", com direito a:

- índios e animais com cabo USB;
- animais e florestas brilhando inteiras com LEDs;
- controle de corpo wireless;
- cut/paste de almas de um corpo pra outro;
- árvore mainframe (cheia de fibras ópticas);

... E por aí vai. (Avatar, nesse sentido, é quase um filho bastardo do ecologismo com o ciberpunk... :))

O que me chamou atenção é que a natureza do mundo de Avatar é fabulosa no sentido mais literal-- de fábula. A natureza de Pandora é perfeita num sentido que a nossa nunca foi e nunca será, é preciso ressaltar. A harmonia "conectada" preconizada no filme simplesmente inexiste em nossa biosfera, em qualquer nível. Em sua Pandora, Cameron lança mão de uma conexão bio-energético-espiritual literal entre toda a vida no planeta.

Claro, a fantasia era algo esperado: Avatar, apesar do "realismo" buscado na ação, é estruturalmente uma fábula aventurosa maniqueísta, pertencendo à ampla linhagem que inclui desde Star Wars a Harry Potter (e dá-lhe Disneys no meio!). Aqui, a retórica "populista" sobre ecologia e natureza é a base moral do filme; essa moral já é parte forte de nosso mainstream ideológico (como qualquer propaganda de banco pode atestar) , e o filme a ressoa e reforça. Pra mim, porém, essa investida do filme no caminho de fábula ultra-contemporânea escancara o quanto essa moral tem uma base idealizada e inconsistente.

É evidente a alegoria do filme para a nossa própria "natureza" terrestre ameaçada -- e também para o cruel extermínio histórico dos índígenas. Mas aqui é necessário retomar um ponto crucial: a má compreensão da ciência e da evolução. Como muitos pensadores já apontaram, o que a evolução (e a História também) nos ensina é que o meio ambiente não é uma linda harmonia de equiíbrio ameaçado pela ganância, pela hubrys humana, mas uma catástrofe em motocontínuo em meio à qual padrões de vida se estabelecem durante alguns períodos. E mesmo os índios existentes na Terra nunca foram essas santas criaturas em harmonia com a natureza, mas pessoas desenvolvendo suas culturas com uma grande dependência em relação ao meio (o que geralmente leva a algum grau de respeito simbólico por este).

Buscando sustentação em imagens reconhecíveis e "mitos" inconscientes (a là Star Wars), o filme também acaba enveredando por um etnicismo meio piegas e batido na caracterização dos indígenas: o que poderia chegar a ser a brilhante retratação de uma sociedade completamente estranha vira aquele transe-chacoalhar brega debaixo da árvore sagrada.

Quem percebeu que os Naavi infiltrados foram baseados em atores brancos e todos os Naavi "nativos" foram baseados em atores negros?


"Miséria é miséria em qualquer canto"

Distrito 9, com seu tratamento de "documentário", é também uma metáfora, mas uma que tem um tanto mais a ver com a ficção científica de raiz, hardcore, na minha opinião. Apesar dos elementos deslavados de ação, é um filme herdeiro de um Sci-Fi mais sombrio como Blade Runner -- e, claro, como "a Mosca". Uma linhagem que procura chocar e fazer pensar pelo choque, sem medo de apelar para o asco.

Avatar faz alegoria ao ocidente que vai à terras virgens explorar; o "humano" é o verdadeiro estranho. Em Distrito 9, ao contrário, o alienígena é que é enfiado em "nosso" mundo. E não é o outro "idealizado" de Avatar, mas uma simbolização de todos os "outros" com que se convive no mundo globalizado das migrações: os desagradáveis, os "sujos, feios e malvados", the people of no account. Na caracterização da realidade dos alienígenas e ao trato dos humanos para com estes, há alegoria escancaradas: às favelas, ao apartheid sul-africano, ao discurso assistencialista hipócrita e mal-disfarçadamente racista.

Enquanto o "outro" de Avatar nos colocaria em contato com um nosso "verdadeiro eu", aquele "puro" que seria oculto pela civilização corrupta, os "outros" de Distrito 9 nos oferecem... nós mesmos. No aqui e agora: sujos, mesquinhos, encrenqueiros e amedrontados -- numa palavra, miseráveis. Aqui, como em Avatar, há uma maldade na civilização: mas é a maldade da segregação e da exploração, do tipo civilizatório que lucra com a manutenção e controle da miséria alheia, que extrai força justamente de manter outros alijados da civilização.


O ponto de suprema coincidência dos dois filmes está no fato de que em ambos o protagonista não só passa para o "outro lado", mas se transforma fisicamente nesse "outro" da humanidade ao qual é apresentado e, por isso, torna-se peça-chave da trama. E é nessa coincidência maior que se exprime mais fortemente a oposição entre as duas ficções.


Em Avatar, como o "outro" é esse "índio cósmico" puro e belo mesmo nos padrões humanos, e como o protagonista é um aleijado sem direção na vida, ele se transforma por vontade própria, descobrindo a beleza de ser esse "outro" que nada mais é que um "verdadeiro eu" reencontrado, o velho sonho do romantismo moderno. (...Sem falar que o protagonista não apenas ajuda a salvar os Naavi: ele é a salvação encarnada, ele realiza "antigas profecias".)

Já em Distrito 9, o protagonista é um burocrata de vidinha pacata e arranjada que é jogado para fora de sua humanidade -- legal e corporal -- contra sua vontade. Passa experimentar não a "dignidade primitiva" de avatar, mas a mais total miséria e desumanidade daqueles que, vivendo de restos, são privados da coesão civilizatória. Enquanto os idealizados "aliendígenas" de Avatar só podem encontrar equivalente efetivo na produção ficcional (Peri, Iracema e por aí vai), os "favelienígenas" de Distrito 9 podem ser encontrado em várias partes do mundo.

É muito fácil admirar os Naavi, belos, ágeis, altivos e nobres. Só sendo muito estúpido, medroso, preconceituoso, ganancioso. Se lidar com o outro fosse assim tão fácil, tão simples de decantar em bom e mal! Distrito 9, por outro lado, nos dá insetos asquerosos, grosseiros e ignorantes de 1,80 metros e nos lembra -- por nosso próprio asco ao início do filme -- que a aparência é uma primeira barreira poderosíssima. E é na superação dessa barreira -- indo do estranhamento a uma empatia e soliedariedade completamente desesperadas, a "empatia dos fodidos"-- que se constrói a descoberta do filme.

Em Avatar, talvez a única mensagem real, quero dizer, que não é prejudicada pela lente da fábula idealizadora, é a de que sim, o ser humano seria capaz de ignorar tamanha beleza e harmonia como a presente no Planeta Pandora só por conta de sua ignorância e ganância. Isso é bem verdade... Embora, como outros já apontaram, seria muito mais plausível, mais interessante e mais "crítico" à nossa atual situação ver os humanos capitalizando e explorando justamente a "biotecnologia" do planeta e dos nativos (mas essa já seria uma perspectiva genuinamente ciberpunk).


De certa forma -- ou, pelo menos, para mim -- o final de Avatar já está meio que subentendido desde cedo no filme. Não haveria uma descoberta para o público (nem acho que havia pretensão de se ter, claro), mas a reafirmação de sempre de que os justos, fortes e bondosos triunfam e tornam seus sonhos realidade.
Uma "lição" mais útil, ao meu ver, é de que o inseto asqueroso, ignorante e ameaçador na verdade é igual a nós.


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